quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

VOCÊ, SER ESCRITO, É MESMO NEGRO?


O protagonista da novela Diz Xiz, que publiquei em 1991, tem lá suas aventuras durante umas 70 páginas e, somente ao final, revela:
(...) Quis ajudá-lo, mas ele me empurrou.
- Senta aí, crioulo, vou fazer seu retrato.
Não gostei. Não gosto que me chamem de crioulo.
- Sorria, negão!
Sim, Silas é negro. Mas em nenhum momento, também nos quatro contos que compõem o livro Silas (Jovens Escribas, 2011), ele assume qualquer dos discursos (ou vozes, expressões, referências...) que poderiam caracterizá-lo, explicitamente, como tal. Além dessa passagem, em Silas, 30 do º tempo, ele conta que um outro personagem presume que a atriz negra Josephine Baker seria sua irmã.
O que me importa aqui é: Silas pode ser negro sem assumir o lugar de um personagem negro?
Segundo o professor Eduardo de Assis Duarte, se entendi corretamente sua resposta a esta pergunta, não. O que caracterizaria a negritude de um personagem seria exatamente ele falar do (ou de um) seu lugar.
Especulo: se eu precisar de um personagem indígena em determinado enredo, como ele deverá ser informado? Eu precisarei determinar o seu grau de aculturação ou assimilação para definir sua fala, seu ponto de vista, sua reação e seu comportamento específicos ou poderei considerar que, como na vida real, existem indígenas que vivem na cidade, como cidadãos urbanos – sem deixarem de ser indígenas?
Então estou pensando que os negros da vida real também vieram de algum lugar e se adaptaram à vida não negra (e o que seriam essas vidas sem cairmos na caricatura?) de tal modo que não preciso, ao transpô-los para a literatura (como fiz com Silas) explicitar sua origem?
Mas... e os personagens não negros? “Estávamos caminhando quando se aproximou um negro.” Estou impondo ao leitor que esse “nós” eram diferentes de negros. Azuis? Vermelhos? Amarelos? Brancos, obviamente, porque eu autor parto do pressuposto senso comum que a humanidade (ao menos a escrita) é branca e a que não for precisa ser indicada ao leitor.









3 comentários:

  1. Essa é uma encrenca homérica (ou ovídica, já que não somos informados dos negros gregos, mas sabemos das taras mulatas do romano). Por falar em mulatos, eu e você corremos o risco de passar por negros low profile, ao constatar que a realidade inclui várias cores, inclusive na nossa própria pele. Mas isso não significa que queremos dispersar o problema do racismo.

    Se o assunto é negritude, vou consultar os mestres do assunto: Senghor e Césaire, que botavam muito mais do que cor da pele na tinta tipográfica. Eles falavam nos valores de civilização do povo negro como princípio, mas sempre com vistas à civilização do universal. Ou seja, a participação do negro (e não só do negro, mas de todos) na invenção do mundo.

    A formulação do professor Eduardo é boa, mas diz respeito a um mundo que eu e vc não queremos e não precisamos. Já que o retrato de do Silas não soa bizarro só porque vc não descreve a cor da pele dele. Engraçado: nunca imaginei o Riobaldo negro, mas branco também não. Imagino ele moreno, como a maior parte do povo do sertão que conheço. Não me lembro de haver menção às suas cores no romance.

    Como poetas, nada mais justo que suprimir a a massa falida que não nos interessa mais. Afinal, o que é a literatura senão uma invenção do mundo?

    Além disso, o que a literatura produz não se dá somente pela referência direta, pela descrição ou pela caracterização. Literatura é linguagem. E muitas vezes isso conta muito mais.

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  2. A parte mais "engajada na luta pela valorização étnica", no seu livro, está no fato do Silas ser simplesmente negro, sem a necessidade de ser apontado pelo autor ou por si.

    Mas como diria mamãe: vocês que são brancos, que se entendam...

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    1. Nunca me perguntei se o Silas é "negro". Explicitar isso seria um clichê. Quando leio personagens nativos feitos de "tinta tipográfica", imagino só que são da cor brasileira: uma paleta completa.

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