quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

SERVIDOR PÚBLICO DA CULTURA


   Há alguns dias, o Afonso Andrade comentou no Facebook que estava completando 20 anos de serviço público. Dei-lhe os parabéns e informei que eu havia completado, em janeiro, 28 anos, na Cultura da prefeitura de BH. Alguns minutos depois, o Flávio Fargas veio me cumprimentar, brincando, pela minha "resistência". Disse a ele, que é um amigo novo, que tenho muito orgulho disso, e agora me deixa ver se foi isso mesmo...

   Quando entrei, via concurso público, em 1985, passei um pequeno período no setor administrativo (Bia Morais era a diretora); por ter "redação própria", fui levado para o gabinete do secretário Arutana Cobério, fazia ofícios e datilografias em geral. Com a chegada de Berenice Menegale, fui incumbido de fazer um varal de poesia em todas as regionais - e aí voltei (*) de vez às atividades culturais propriamente ditas.
   Aquele governo criou a Secretaria de Cultura, que até então era também de Turismo, e eu assumi (éramos cinco servidores no Departamento de Cultura, dirigido por Júlio Varella) uma das cinco chefias de serviço, a de Eventos. Nos próximos tantos anos (até que Arnaldo Godoy virou secretário e precisou de espaço para seu irmão e eu aproveitei para me apostilar), eu estive presente na criação/concepção/coordenação de quase tudo o que foi feito de importante na Secretaria de Cultura de BH: a 1ª Bienal Internacional de Poesia; Festival de Arte Negra; “Memória Viva”, homenagem a Murilo Rubião; Concurso Nacional de Literatura Prêmios “João-de-Barro” e “Cidade de Belo Horizonte”; Arena da Cultura; projetos Quinta com Arte, Música de Domingo, Praça Sete Seis e Meia, Estação da Música, Terça de Graça, Sexta Sintonia; Salão do Livro & Encontro de Literatura, entre outros.
   Com a criação da Fundação de Cultura, venho trabalhando no setor de bibliotecas, livros, prêmios, seminários de literatura... (Detalhe essencial para aquele que ainda não conseguiu se transformar em urso hibernando: fui obrigado a conviver com pouquíssimas pessoas más; ao contrário, além dos colegas sempre muito do bem, tive a oportunidade de trabalhar e, em alguns casos, até travar amizade com dezenas dos melhores artistas brasileiros).
   
   (*) Nove anos antes de me tornar servidor público, eu comecei a editar folhetos literários e meus próprios livros de poemas; formei, com amigos, o Grupo Canções, que apresentou espetáculos de poesia, música e teatro; realizei exposições de artes plásticas; presidi a Fundação de Cultura de Sabará, enfim: passar a atuar na prefeitura de uma grande cidade, foi a oportunidade de ampliar o alcance de tudo o que eu já vinha fazendo em nível pessoal, por puro prazer e idealismo. (E de 1985 para cá, também continuei fazendo todas as minhas coisas, fora da PBH: livros, eventos... destacadamente com meu parceiro Ricardo Aleixo.)

   Quanto à imagem que o senso comum tem do funcionário público como um parasita da sociedade, deixo passar: socialista, cada movimento que faço pela prefeitura, cotidianamente, traz a convicção de que é trabalho, afinal, para o povo da cidade em que nasci e em que vivo - poderia ser melhor?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

ADEUS, FUTEBOL!

 
  Meu pai foi jogador de futebol, é provável que eu tenha sido incentivado a chutar uma bola desde que aprendi a andar. Desde sempre, houve peladas na rua Álvares de Azevedo, no bairro Colégio Batista (BH/MG), onde nasci. (Os gols eram portas de garagens que ficavam do mesmo lado da rua inclinada: um time atacava descendo e o outro, subindo. Era comum que a bola escapasse ladeira abaixo e fosse parar nos montes de areia da Redimix.) No alpendre de nossa casa também fazíamos, eu e meu irmão, um gol-a-gol - ou qualquer tipo de disputa que pudéssemos criar. No Colégio, fui capitão do time, certa vez, para disputar um campeonato. Treinei por um tempo no Farol, clube criado por meu pai e seus amigos, em Sabará. (Era lateral direito. Lembro de três episódios com mais interesse: sair de um treino passando mal porque o comecei sem ter me alimentado; um outro em que fui bater um tiro de meta e joguei a bola nos pés do goleador adversário - que perdeu o gol; e um jogo contra um time de BH, Estrela-alguma-coisa, em que deixei dois adversários no chão, só cortando para os lados.) Jogava direto no Florestinha, naquela época, quando ainda morava lá, antes dos 15 anos, e muitas vezes depois. Criei um time com os vizinhos de pelada, todos mais velhos que eu, o Pantera Cor-de-rosa (foi o primeiro desenho animado que vimos a cores), que chegou a fazer uns dois jogos com times mais tradicionais. Por insistência de um vizinho que jogava no América, fui tentar treinar no Atlético. O técnico do dente-de-leite era o Seu Zé das Camisas. Havia dezenas de meninos sonhadores, como eu. Ao final, ele indicou apenas a mim para voltar durante a semana e fazer a inscrição: eu estava "contratado". (Fui com meu pai, mas a sede estava fechada; vieram provas bimestrais, eu não podia ir lá sozinho, meu pai não teve mais tempo... (Por isso hoje eu não estou na tevê trabalhando como comentarista...)) Houve um bom período de peladas com os colegas da Secretaria de Cultura...
   Mas essa choraminguela toda é só para dizer que eu torcia para o Atlético. Quando descobri, muitos anos depois, que só fazia isso por influência do meu irmão, parei de torcer. Fiquei sem time e sem me interessar por um longo tempo. Até que, por motivos ideológicos e de simpatia pura, decidi, já adulto, torcer para o América.
   E, finalmente, o que quero registrar: tudo o que envolve o futebol profissional e o próprio futebol que se joga hoje, e o modo como o Sistema controla tudo e a imbecilidade que brilha nos olhos de meus semelhantes quando é este o assunto, me fazem decidir por não torcer mais pelo América e começar uma aborrecida campanha de difamação "contra tudo isso que está aí".
  
Ps: dirão as más línguas que isso tudo é porque não se pode mais ir ao Independência tomar cerveja e comer tropeiro nos jogos do Coelho. Bobagem.
Ps 2: fui procurar uma foto do Seu Zé das Camisas e vejam o que achei: "Aos finais de semana, Toninho Cerezo jogava pelo time do Ferroviário, no próprio bairro da Esplanada, até ser descoberto pelo famoso olheiro “Zé das Camisas”, que levou o garoto ao Atlético Mineiro e o apresentou ao técnico Formiga, que na época era o responsável pela categorias de base."

sábado, 2 de fevereiro de 2013

CAMPING POP: roquenrou na adolescência


CAMPING POP

                                               
                                                        Tinha sangue
na calcinha dela, devia ser sangue, a saia arriada até os tornozelos, uma das pernas dobrada, qual?, pelos vermelhos, mancha no umbigo, vinho?, não sei, a camiseta arregaçada até os peitos, um deles me olhando, uma coisa, baba, escorrendo da boca – lembranças, tudo muito vago, flashes que pipocam sem me garantir nada, o que pode ter sido real, o que era viagem, o que são desejos e armadilhas da memória – ela respirava, acho, seus olhos estavam abertos mas não me viam, se é que viam alguma coisa, os cabelos longos embaraçados, cachos espalhados emoldurando o rosto muito branco, sobre o colchonete, dentro da barraca, na madrugada quase manhã no camping, ameaça de luz no ponto mais distante do palco, isolados, quase sozinhos nós três

                                                                  Minha barraca colorida,
ferragem de qualidade, minha mochila de lona verde, meu cantil do exército, minha bota de peão de trecho, minha jaqueta e minha calça jeans surradas, minha camiseta do The Who – eu todo dela, minha cabeça, meu vinho, meu fumo, minha merreca de grana, minha pistola – Djé sempre mais esperto, o filho da puta puxa-saco mais gentil prestativo articulado descolou um plástico preto e rapidinho improvisou uma proteção pra nossas coisas – e só por isso ganhou um beijo dela, além dos já rotineiros cafunés na cabeleira black power, mais um sorriso que só as fadas sabem dar – eu otário bancando os convites, o fumo, o vinho, descolando a carona, a barraca – mas o AC era dele – um beijo na boca, caralho

                                                                                Na portaria
um corredor de cordas cavaletes e metade da força policial da cidade – e nós, todos nós, um bando de vagabundos querendo ver a porra de um show de rock, beber um pouco, apertar uns finos, talvez tomar um ácido e Q-Suco e comer pão com salame, dançar na chuva sujos de lama, gritar nossos ídolos, entrar em transe, comer alguém, sei lá, qualquer merda que fizesse nossa vida divertida durante um fim de semana – e aquele corredor polonês, a repressão ostensiva, um despertador fardado pros nossos sonhos moleques
                                                                 
                                              Cães policiais                                                                                    ladravam irados – quando eu vi o AC na unha dele, um pedaço de grafite, uma pontinha de lápis impossível quebrar aquilo, como dividir em dois? e se ela também quisesse?, em três?! – eu tinha que derreter na língua sei lá se derreti ou se engoli inteiro – inteiro? – foram dois ou três pedaços?, quem tomou? talvez os três – policiais ladravam ao longe e ao redor e em toda parte, barracas e pessoas se duplicavam e voltavam ao normal, o palco diminuía e voltava me engolindo, cometas coloridos riscando o céu branco, noite de chuva – quando tentei me levantar só consegui dar um ou dois passos ridículos e voltar pro mesmo lugar, e tentar uma porrada de vezes sempre dançando e me esborrachando no mesmo lugar – e numa pausa não vi os dois, eles deviam estar perto da barraca, mas eu não sabia nem onde eu estava, resolvi andar – gente gente pra caralho, ia me enfiando pelas pessoas, grandes olhos vermelhos e amarelos, alguém tentava me puxar e ficava com um pedaço do meu corpo, um dedo um braço meu cinto minha bolsa de couro – noutra pausa estava colado no palco, luzes, putaquipariu!, luzes e dentro delas os dois trepavam

                                                                                                                    Djé
acendeu uma pontinha e sem olhar pra trás passou pra nós – eu dei um tapinha leve – ele disse, antes do ônibus sair, que tinha um AC pra gente – e ela, dragoa, quase queimou os dedos – e logo tirou um pedaço de doce do bolso da blusa de lã – uma larica incontrolável – e o cantil, que eu reabasteci escorando o garrafão na perna dela, voltou pra mim                                                                                                       

                                                                       Um cara  
de cabelos lisos tipo índio andino tocava violão no banco do trocador, alguém batucava um pandeiro e uma porrada de gente cantava uma daquelas musiquinhas ripongas – e isso me enchia o saco, mas eu não reclamava pra não fazer papel de chato – ela fazia um tipo muito espiritual generosa e pra comê-la eu precisava apresentar alguma elevação mística ou uma meleca qualquer do gênero – e eu queria muito trepar com ela durante o show dos Mutantes – não só eu, claro

                                                      Ela pôs sua perna
esquerda sobre a minha, quer dizer, a coxa esquerda, mas eu não sentia nada, nós dois de calças jeans – enquanto ela enfiava os dedos na cabeleira do Djé sentado à nossa frente – e olhava suave pela janela – às vezes seu perfil harmonizava linhas com as montanhas no horizonte, ou uma árvore à beira da estrada emoldurava sua cabeça confundindo-me folhas e cabelos – eu prendia o garrafão entre os pés e usava meu velho cantil de lata pra fazer rolar o vinho – enquanto ele circulava eu acendia um cigarro ou enfiava as mãos sob a camisa dela – um peito, outro, o umbiguinho, repuxava pentelhos acima da calcinha – ou desmanchava seu penteado que começou com duas tranças, depois uma, depois uma espécie de turbante até que se cansou e deixou os cabelos soltos, vento, um filme só pra mim