terça-feira, 31 de janeiro de 2012

TÃO RARAS MUSAS

      Cultivava eu incerta insônia, quando veio dar aos meus umbrais, certa voz em nada insana, a me exigir explicações demais. Despertei com um soluço - iiic! - e bradei: "Senhor Rique, tu que, tá, tudo sabes, respondei-me:
CADÊ O MEU?
 (À maneira de - de certa maneira - Ricardo Aleixo. Para Rodrigo Leste e Rui Werneck de Capistrano.)

Quando a coisa envolve grana,
fatias de poder,
nacos de fama,
ninguém me chama.

Só sou lembrado
na hora de construir,
quando ainda não rola
o faz-me-rir
e ao projeto bem bolado
ninguém dá bola.

É, é sim.

Mas não posso reclamar,
comigo sempre foi
assim:
me anunciam uma boiada
para entrar,
e  me deixam sem o mosquito
da bosta do boi
a nuvens de poeira ver
se perdendo no infinito.

A boa dica – me dão –
é ter eu mesmo a boa ideia,
criar laços de amizade
com quem sabe do milhão,
esconder a cara feia
sob o sorriso-sociedade,
ficar de bem com todo mundo,
bajulante mui exímio,
arrancar do Fundo um fundo
ou, no mínimo, aquela cota
ínfima de patrocínio.



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O PROFESSOR QUE FAZ DIFERENÇA

Dediquei o livro Silas (contos, Jovens Escribas, 2011) ao professor Albanito Vaz Júnior, sem dar qualquer indicação de quem seja. Chegou a hora de deixar isso claro.
Fui seu aluno em 1976, no Colégio Batista Mineiro. Português. Meu pai, que havia sido seu colega de trabalho muitos anos antes, contava que eles eram da turma dos fumantes, os que saíam à rua na hora do recreio. E como meu pai, ele tinha uma pontaria incrível com os tocos de giz: às vezes acertava o aluno conversador enquanto escrevia no quadro, sem se virar. Mas essa não era sua principal característica nem a que me fez prestar-lhe o modesto reconhecimento mais de 30 anos depois.
Não faço idéia se ele era um ótimo professor de Português, eu era muito novo para dar essa notícia agora. Mas me lembro com segurança de duas coisas: nós tínhamos que fazer e ler para a turma uma redação por semana – e isso era o purgatório para muita gente. E também com boa frequência, apresentar leituras ou jograis dos livros que éramos, claro, obrigados a ler.
Imagino que, para quase todos os colegas, ele deve ser uma lembrança amarga hoje.
Eu guardei por todos esses anos a lembrança de que em algum momento, já na década de 1980, me dei conta de que foram suas aulas e suas tarefas diretamente relacionadas à escrita e à leitura, que me situaram como escritor.
Em 1976 eu fiz um zinezinho em xerox que acabou rendendo, com amigos (grupo Canções), até 1978; em 1979 eu e dois deles fizemos nossos primeiros livros de poemas; a reação a isso e aos livros que continuei editando me localizou como escritor.
Mas eu comecei a escrever em 1972. Entender essa cronologia, para mim foi muito importante. O, digamos, elemento diferencial, que clareou o caminho, foi exatamente o professor Albanito e sua insistência feroz em nos empurrar livros para ler e temas para escrever. O contato diário com a literatura (e não só com as regras da gramática) foi o que me permitiu ter a lucidez de entender que, livros publicados e certa “vida literária”, no início dos 1980, faziam de mim um escritor. Eu era, muito ciente das dimensões exatas, como qualquer um daqueles autores que trabalhamos nas suas aulas.
Sempre digo, quando preciso contar esta parte da minha história, que, literariamente, os poemas daquela época não são mesmo grande coisa. Eu era pura intuição e influência explícita de minhas desorientadas leituras. Porém, e reafirmo agora, ter feito o que fiz e como fiz e quando fiz, foi fundamental para que o cidadão – e consequentemente o escritor – tivesse um pouco mais de entendimento sobre o que é esta praia.


domingo, 15 de janeiro de 2012

AUSÊNCIA

Caros leitores, ávidos de novidade, informação e lascas de cultura (rsrs), esta semana pode ser que não poste nada porque estarei acessando a internet irregularmente, se é que o farei. Mas voltaremos cheios de novidades dia 23 de janeiro. AGUARDEM!


Ps: a primeira vez que alguém escreveu "rs' num mail, achei que ela se referia ao Rio Grande do Sul (rsrs);
2 - o facebook em português te induz a "curtir" notícias ruins. Mesmo sabendo que o curtir é apenas acusar a leitura, às vezes é constrangedor. Pior é em italiano: '"mi piace", me agrada. Não tem nem a máscara da gíria brasileira.

FOTOS DE PALAVRAS




“Uma imagem vale mais que mil palavras.” Dito popular;
“Uma imagem vale mais que mil palavras. Agora me diga isso sem palavras.” Rui Werneck de Capistrano;
“Uma imagem vale mais que mil palavras; uma palavra é uma imagem; portanto, uma palavra vale mais que mil imagens.” Bruno Brum.
Mas me lembro de registrar algumas fotos que deixei de fazer, imagens fugazes que perdi a chance de registrar. Uso palavras para tentar me redimir:
- após um jogo do América, saindo do campo do Sete pelo portão da Pitangui, início da noite: uma Lua gigante e antes dela, chapados, o fio de luz e um par de tênis nele pendurado (a pilha da máquina tinha acabado durante o jogo);
- tarde, céu muito azul, uma nuvem pequena, de contornos bem definidos, como desenho de criança, na linha dos olhos; passa um jato deixando um risco branco exatamente sob a nuvem (estava sem máquina);
- saio para o terraço da cobertura e no céu, bem próximo, um xis enorme de fumaça/vapor, ainda nítido, do rastro de dois aviões; (sem máquina)
- ela de costas para o mar, a barca que nos levaria a Paquetá se aproximando, um avião passa bem perto, decolando: ela, a barca e o avião ficaram enquadrados por um segundo; (máquina na mão, não fui rápido o bastante. Mas “ela, a barca e o avião” pode render uma letra de bossa nova...).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ME VI NA TEVÊ



O amigo e parceiro Ricardo Aleixo descobriu, por acaso, a gravação de sua entrevista ao programa de TV Veredas Literárias, do bom Helton Gonçalves. Aí fui ver se estava lá também, no site, a minha. Sim! Então, ingenuamente, comecei a rever-me. E mais uma vez não gostei do que vi.    
Não gosto de me ver nem de me ouvir gravado. Pensei se não seria caso de para-casa de divã, matutei... E cheguei à ótima para mim conclusão: não há texto meu que eu não revise até cansar: por que deveria gostar daquilo que já falei? Claro que mereço ser revisado também no vídeo-tape! É por isso, claro.
No caso desta entrevista, há mais de dez anos, eu estava, não entendo o motivo, mais novo. Gosto mais da minha fuça hoje. Mas há controvérsia.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O QUE A LÍNGUA PENSA?

Fazer revisão gramatical tornou-se uma coisa muito chata depois da reforma ortográfica. Eu passei por algumas mudanças, quando ainda estava na escola. Foi mais simples assimilar. Agora... talvez por desconfiar do que está envolvido nesta, estou sem paciência de tentar entender ou decorar o que mudou. Mantenho um pequeno guia por perto, consulto sempre. (Esta semana descobri erro em um outro guia... A gente não pode mesmo confiar em guias.)
Um aborrecimento mais antigo: os SS, Z, Ç, S... Achava, até ontem, que deveria haver uma padronização de acordo com o som e eliminar tanta picuinha. Fico imaginando as letras brigando entre si, coitadas. Mas pensando na confusão que esta reforma armou para o hífen, decidi que o melhor que eles poderiam ter feito, contrariando seu Espírito Ordenador, seria liberar geral: cada pessoa tem o direito de usar ou não o hífen quando quiser! E também o bando de S, Ç,Z etc.!
Até este momento também tinha alguma simpatia pelo uso do M antes de P e B. Mas me pergunto: que diferença faz? Não seria melhor o autor decidir pela estética? Ou pelo cansaço da letra? “Esta página já tem muito M, agora vou usar o N também antes de P e B.”
Formalizar a inclusão dos friends K, W e Y foi legal, até porque a  gente nunca deixou de usá-los mesmo.
Acentuação: voo e vôo. Não dá para discutir, né? Claro que a asa cobre o O é que levanta a palavrinha.  Os ditongos abertos perderam muito de sua personalidade sem o agudo, parecem meio pelados.
Este texto é dedicado a Glauco Mattoso, que optou por usar uma grafia bem antiga em seus textos e, claro, ao trema, extirpado sem direito a defesa.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

JÁ TENHO CANDIDATO

Quando Nova Iorque estava passando por um perrengue qualquer lá num outro tempo, foi criado aquele logo (Andy Warhol?) que até hoje é usado mundo afora com o coração entre o I e o NY.
Quando quiseram levantar a praça/bairro da Savassi em BH, criaram o slogan/jingle “Tudo é mais bonito na Savassi”.
Quando Barak Obama quis ser presidente dos Estados Unidos, usou a “palavra de ordem” You Can! (ou seria We can?).
Quando é preciso estabelecer uma comunicação direta com o grande público, os publicitários são chamados para resolver a parada. (Em geral, quem quer “estabelecer uma comunicação direta com o grande público”, não a tem. (E, em geral, o público não está muito interessado.))
Hoje fico sabendo que o grande artista Youssou N’dour, conterrâneo do Ibraima Gaye, é candidato a presidente do Senegal. Já teria meu voto só pelo que conheço do seu som. Mas diz a reportagem que ele já tem um baita histórico de atuação social (do lado do bem, claro).
Mas o nome do movimento que ele criou como “fantasia” para sua campanha também me convenceu a decidir meu voto: FEKKE MA CI BOLLE.
Não é bonito? É na língua wolof, mas tem uma carinha de italiano que me deixa curioso.
E significa Eu estou envolvido. Pode ser mais convincente alguém que se aproxima dizendo que já está envolvido? Ao contrário da bandidagem local, quando um cara feito ele diz que está envolvido, eu penso em coisas boas, em compromisso com as grandes causas da humanidade.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ai donte anderstende!

Ia deixar para amanhã, mas a coincidência do comentário da minha amiga Élida Murta me provoca a contar uma história: o primeiro DVD que coloquei no aparelho recém-comprado foi um show do Yes.
Ia curtindo aquilo feito menino com brinquedo novo, desvendando o mistério dos controles, quando descubro que havia legenda das letras. Oh, yes! E, em seguida, legenda com a tradução das letras! Oh, nous... Teria sido melhor passar sem aquilo.
Um amigo, músico, também há tempos, tentando interferir no meu amor pelos Beatles, disse que as letras deles são todas umas porcarias, coisa de moleque.
Eu gosto desse amigo, sorri e me calei. Calejado, lembrei da experiência com o Yes e nem pensei em traduzir nada dos Beatles: vai que ele tem razão...
Prefiro também, Élida, não saber do que se trata. Gosto de cantar, capto o que for possível da sonoridade e mando bala. Me divirto muito.
Ah, mas traduzi uma e outra, aqui e ali, treinando o inglês joelsantânico. A maior empreitada foi o excelente, em todos os sentidos, Final Cut, do Pink Floyd.
Daí me ocorreu a ideia de um projeto: alguns escritores fariam a transrecriação de alguns clássicos do rock e seria lançado um livro com um visual poderoso acompanhado de CD, claro.
Comentei com gente que poderia se entusiasmar, mas não aconteceu nada.
Isso acontece.



DAS FERRAMENTAS DO AMOR


Rita Pavone fez bastante sucesso como cantora nos 1960/70. Lembro de ter visto ao menos um filme com ela, algum faroeste, se a memória não me envergonha. Uma de suas canções mais populares era Datemi un martello. Esta expressão nunca me saiu da cabeça. Moça simpática procura martelo. Para quê? Esta semana lembrei de perguntar a ela. Vejam a resposta:
Datemi un martello. / Che cosa ne vuoi fare? / Lo voglio dare in testa / A chi non mi va, sì sì sì, / A quella smorfiosa / Con gli occhi dipinti / Che tutti quanti fan ballare / Lasciandomi a guardare / Che rabbia mi fa
Ou seja: Deem-me um martelo / o que você quer fazer? / quero bater na cabeça / de quem não gosto / daquela dengosa / com os olhos pintados / que todos tiram para dançar / deixando-me a olhar / que raiva me dá
Não satisfeita em acabar com a concorrência, nas próximas estrofes ela ainda quer quebrar a cabeça dos casais que dançam no escurinho ao som de música lenta; quer quebrar o telefone que vai servir para sua mãe lhe chamar e, finalmente vai aplicar “Um golpe na cabeça, / A quem não é dos nossos / E assim a nossa festa / Mais bonita será, / Seremos nós somente / E seremos todos amigos, / Faremos juntos os nossos bailes / O surf,  o hully gully / Que força será...”
A moça era determinada: nada de duelos ao nascer do  sol. Ou, mais doméstico: "Ritinha, vou pendurar o quadro na parede - me passa o martelo."



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

POESIA DA BOA




A poeta Isadora Krieger me pergunta sobre meus poetas preferidos. Pergunta recorrente à qual nunca dei uma resposta que me satisfaça. Talvez tenha chegado a hora de tentar.
Isadora, antes de pensar no assunto, afirmo Fernando Pessoa. Ele está, de verdade, na cabeceira, sempre, Álvaro de Campos. Por que ele? Ainda sem pensar muito: ele fala da vida, seus poemas têm intimidade com a vida. E tem uma construção de texto que soa bem na minha caixa de som.
Gosto do Maiacóvski. A invenção da forma, a grandiloqüência, a fúria. Seus textos sobre poesia me fazem gostar ainda mais dele. Ritmo, claro.
Gosto muito de poesia. De quase tudo que já li, portanto, dei sorte. O que emociona. O que inventa. O que surpreende. O que revela. O que soa e ecoa. O que canta. O que batuca. O que faz ruído. O que provoca. O que irrita. O que comove.
Sabe do que não gosto em poesia, Isadora? De um certo tipo que se pretende (e talvez apenas seja mesmo) altamente racional; que tem o olhar voltado só para o cânone; que não fede nem cheira; que parece estar falando de algo muuuuito importante mas que é apenas vazio preenchendo oco.
A lista de bons poetas e poemas seria grande, mas a melhor maneira de saber se o poema é bom é observar suas patinhas: se elas se mexem enquanto leio, vale a pena ir até o fim.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

OFICINA MECÂNICA DE LER

Se nas oficinas de produção de texto de ficção eu faço a mediação entre o que o oficineiro faz e o que é capaz de fazer, o que são as oficinas de leitura?
Basicamente é a tentativa de, lendo juntos, provocar outro olhar para o texto lido e para o ato de ler.
Dois passos básicos: observar a pontuação e a pronúncia correta de algum termo menos corrente. Para muitas pessoas é um mistério que haja diferenças de inflexão entre a vírgula, o ponto, as reticências... Claro que não é um "curso" de oratória, mas a intenção do autor muitas vezes se perde se a leitura é equivocada (quando não o sentido simples de uma frase – que interferirá na compreensão do enredo). Desconhecer certas palavras é apenas a ponta do iceberg da capacidade do leitor médio contemporâneo.
Adiante: fazer com que ele compreenda quem são autor, narrador, personagens. É muito comum as pessoas julgarem os autores como costumam julgar os atores por seus personagens em telenovelas.
Mais um pouco: situar o enredo e sua relação com os personagens, o autor e sua época.
Estas são situações rotineiras nas oficinas de leitura, seu lado visível. O mais importante, entretanto, não tem parâmetros mensuráveis: é deixar que o outro se contagie com o meu prazer pela leitura e pela literatura, por aquele momento em que estamos juntos em busca de – apenas – gostar ainda mais delas.

COMO NASCEM AS OFICINAS

A prática de trocar originais com amigos para leitura crítica se confunde com a origem dos tempos... em que comecei a escrever. Mas uma dessas trocas teve importância especial na minha vida.
Fui apresentado a Francisco de Morais Mendes pelo amigo comum, Alexandre Marino, em 1989.
No ano seguinte eu tinha pronto o original de Diz Xis: um amontoado de folhas de sulfite datilografadas, páginas de cadernos manuscritas, trechos fotocopiados, rabiscados, sobrecolados...
Com a confiança que ele já me inspirava, pedi que lesse aquilo e ele, com a generosidade que lhe é peculiar, aceitou.
Alguns dias depois, foi até minha casa e passou algumas horas relendo página por página, mostrando as marcações que iam da troca de vírgulas ao corte de um capítulo inteiro.
Foi uma revelação. (Não satisfeito, ofereceu seu computador (XP?) para que eu digitasse tudo novamente. E quando editei a novela, em 1991, assinou a apresentação.)
Esta história é para dizer que este gesto do bom amigo é o que norteia as oficinas que dou.
       O que faço é uma mediação entre o que o oficineiro faz e o que ele é capaz de fazer (e ainda não sabe). Meu trabalho é mostrar-lhe seu potencial e seus vícios; relatar as experiências que conheço; mostrar como fiz este ou aquele conto; colocá-lo em contato com outros escritores; praticar a autocrítica; desmistificar a criação; enfim, tentar prepará-lo para a solidão que deverá continuar enfrentando diante da página em branco.
revisando este final, após comentário da Maria Elisa: (...) tentar prepará-lo para aquilo que deverá compartilhar com a página em branco.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

COMO NASCEM AS RAINHAS

Como surge a idéia de uma narrativa? Já li e ouvi depoimentos apontando as origens mais variadas, incluídos os modus operandi. Nas minhas oficinas, sempre relato algumas histórias de como surgiram alguns dos meus contos. Minha intenção, acredito que bem sucedida, é exemplificar, para os oficineiros, o processo de criação.
Um bom exemplo é o A Rainha do Egito (A ponto de explodir, 2008 e Coletivo 21, Autêntica, 2011).
Gosto, desde que o disco foi lançado, da canção Rainha do Egito, de Jorge Mautner (As mil e uma noites de Bagdá, 1976). Ela tem um clima hippie que me agrada. Ponto.
Em alguma manhã de... 2006, digamos, vi uma mocinha descalça, carregando as sandálias, com cara de quem estava terminando una bella notte (como diria o Guedes). A imagem ficou registrada, sem qualquer intenção literária consciente. Ponto 2.
Em alguma noite, muitos meses depois, estava em um bar, à minha frente, duas moças bebiam e conversavam. A certo momento, notei que uma delas estava com os pés descalços sobre a cadeira, sob a mesa. Imediatamente pensei algo como: “às três da manhã, Dayse está dançando...”; em seguida a canção do Mautner tocou na minha cabeça. Sorri, peguei o caderno e anotei a frase. Ponto 3.
Eu tinha certeza que eu tinha um conto. Com os dois elementos (aquela moça e a canção) eu sabia, por quilômetros rodados, que seria questão de sentar e desenvolver uma história. Qual história? Ainda não sabia. Eu tinha elementos materiais para começar e deixar que alguma história (usando os trastes que acumulo no ferro velho da minha cabeça) se contasse.
Às cinco da manhã daquela noite, acordei, peguei o caderno e em duas horas escrevi a primeira versão de A Rainha do Egito.

domingo, 1 de janeiro de 2012

FELICE 2012!

    Enquanto me preparo para começar o primeiro dia de 2012, passo em revista algumas antigas passagens de ano.
    Houve várias que optei por ficar sozinho e foram ótimas. Uma na Camargo Guarnieri, acho que meu primeiro ano no apartamento novo. Tomei umas cervejas e Jurubeba, investi alguns reais em interurbanos e ouvi música e fiz anotações. Dormi cedo e pela manhã passeei pelo bairro ainda desconhecido, chuva rala, e tomei um sorvete de pistache. Outro, na São Mateus, morando com a família que fora para Sabará: comprei um frango assado e realizei o sonho antigo de comê-lo como o Obelix come javalis (não teve muita graça). De manhã, na varanda, tomando cerveja, saúdo meu amigo cellista Helder, vindo da caminhada, que passa a me acompanhar: ficamos até uma da tarde filosofando o ano novo.
    Na Montanha, em Sabará! Alguns fui com a turma, vinho e farra morro acima, ressaca e larica na descida matinal; um fui sozinho, uma época meio mística, boba.
    Teve um em Copacabana, com amigos cariocas e nordestinos que nunca mais vi. Não cumpri ritual algum, exceto admirar os fogos e passear feliz entre a multidão.
    Bailes, festas públicas, shows? Acho que não. A maior parte foi em família, sempre muito bom estar com quem se gosta.
    O tempo passa mais suave.