terça-feira, 30 de setembro de 2014

2.000 TOQUES

    O escritor André Timm convida vários escritores para falar de seu processo de escrita. Eis minha participação:


     Sempre digo, e não só eu, que “escrevo 24 horas por dia”. É aquela coisa de estar antenado no que pode virar literatura: pessoas, cenas, ambientes, frases, histórias, cheiros, sabores, toques, memórias, piadas, atos falhos, viagens… A qualquer momento pode rolar o estalo que vai iniciar um novo conto, resolver o andamento de outro, iluminar um enredo meia-boca… Tenho o caderno na mochila, mas podem ser úteis os tradicionais guardanapos de papel, folheto de publicidade, folha de guarda do livro em uso…

     Essa é a fase lúdica da escrita.

     O bunda-na-cadeira-mãos-no-teclado-olhos-na-tela-branca é a parte operária. Esta carece de mais atenção, até por que há muito mais coisas para se fazer (não que sejam, sempre, mais importantes/interessantes), como cuidar do cão, namorar, beber, ler, manter o emprego remunerado, ver tevê, visitar o mundo virtual, passear, viajar, ver amigos e familiares, olhar paredes…

     Como sou, por natureza, distraído, quando vou escrever preciso criar ao menos duas condições especiais, através de esforço: me concentrar (no texto, no conteúdo, na demanda externa, quando há) e preparar o tempo em que ficarei ao computador.

     Que é, sempre, pela manhã. Se for o caso, posso me levantar às 4 da madrugada; mas também posso começar às 8… fundamental é que seja a primeira atividade do dia. Nunca é um round muito longo. (Quase) qualquer outra coisa pode me distrair e eu acabo postergando a escrita para a manhã seguinte. Porque depois que o dia civil começa, literatura continua a ser tudo aquilo que mencionei antes (a vida) menos a escrita.


    



o link do facebook: https://www.facebook.com/2miltoques/photos_stream
(vale a pena conhecer os depoimentos)

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

OS BARES DA MINHA ESQUINA









     A rua em que moro há cinco anos é muito fraca em matéria de bar da esquina. Aliás, o bairro todo é bem desprovido desta instituição tão importante na minha formação espiritual. Eu, cada vez mais, gosto de beber em casa, com familiares, amigos ou tendo o Dom e meus vinis por companhia (tem mais coisa e gente nessas horas, mas melhor não detalhar demais). Mas eles fizeram parte de minha vida - e muito intensamente. Por isso, antes que se percam entre as garrafas da mesa, escorram pelo ralo da rala memória ou se prendam atrás das portas que se fecham, registro aqui os que foram mais importantes para mim. Cada um me fez viver aventuras especiais, em menor ou maior grau, frequência e intensidade. 
     Eu ainda era criança quando conheci meu primeiro bar da esquina. Não ficava na esquina da Álvares de Azevedo, na verdade ficava na rua Ponte Nova, a uns 5 quarteirões de casa. Era a Mercearia do Seu Zé, onde meu pai parava nas manhãs de sábado: era minha tarefa ir até lá chamá-lo pro almoço.
     Depois fica difícil organizar cronologicamente seu surgimento, nem quero fazer isso. Vamos por outras doses: em Sabará, cidade que precisei frequentar desde a infância, havia o Tareco, ao lado da casa da minha avó/tias. Ainda não bebia, mas tenho registro visual e sonoro do ambiente. O Turista, mais conhecido pelo nome de um dos donos, Vavá, irmão do Pedro; ficava na esquina da rua Direita com praça Santa Rita. Vicente, minúsculo, mas bem em frente ao Banco Mercantil, que tinha a calçada elevada, onde nos acumulávamos por horas a fio. Cê qui sabe, surgiu com ares de 'restaurante', mas também tinha clientes em frente, na passarela do banco. Adega, do nosso amigo Jardel, que ficava nos fundos da casa de sua família; alternativo, ouvíamos rock, fazíamos saraus e fumaça. O bar, na Santa Rita/Direita, tinha nome, mas para nós era Márcio, nome do atendente; durante o ano de 1986, em que trabalhei e morei em Sabará, íamos todos os dias de semana beber a partir das 18h01. Valdemar era um garçom querido que, felizmente, abriu seu próprio bar perto da igreja de São Francisco; durou pouco, infelizmente. Quinto do Ouro tinha vários ambientes, foi por muito tempo a savassi da cidade. Bolão é apelido de uma figura folclórica, teve um boteco na esquina da Clemente Faria com praça Santa Rita. 314 era famoso pelo feijão tropeiro e pela simpatia dos proprietários; Fafá de Belém teve o prazer de provar. Dona Lia, no Arraial Velho, fazia um frango ao molho pardo (entre outras delícias) maravilhoso; quem pôde comprovar isso foi Zé Ketti, com Ronaldo Rayol e Luiz Roberto Guedes, quando os levei lá. Também no Arraial Velho, alguns anos depois que Dona Lia se foi, havia, até pouco tempo, o Quinta dos Cristais, do músico Ângelo Heleodoro, que ficava no local onde era o sítio, que frequentei na infância, do meu tio Vitório. Aliás, o Ângelo, quando tentou reerguer a Orquestra Sinfônica Mineira, manteve na sede da avenida Santos Dumont um bar em que bebíamos todas as sextas-feiras daquele 1981. Antes de sair de Sabará, lembro do Moinho D'água, no Pompéu, de dona Maria, mãe do Silas, único que ainda faço questão de visitar (várias carnes com ora-pro-nobis) e de um não bar, mas onde também bebemos e vivemos muito, que eram as barraquinhas da praça do Rosário, durante os julhos de aniversário da cidade.  
     E ainda antes de voltar para BH, uma referência afetiva, de curta duração real mas bem gravada na memória: o Bar do Maurício (que nós chamávamos de Bar das Tias), em Alfenas, onde morei por três meses.
    No bairro em que nasci, Colégio Batista, morei até os 15 anos, não deu tempo de ter meu próprio bar da esquina (mas em Sabará já os havia). Portanto, os registros começam com o Fabinho, na Pouso Alegre, a vinte metros de casa, que era a sede de um time de futebol chamado "Aonde vais, garboso infante?" Um quarteirão adiante, havia o Xique-xique, também uma segunda casa nossa. O Scotellaro, o Café Frei Veloso e outros bares menores das avenidas Santos Dumont e Paraná, e da rua São Paulo, durante um tempo me serviram de "escritório": eu escrevia ali como se tivesse uma câmera fotográfica na ponta da caneta. Em 1989 frequentamos com assiduidade o Cravo e Canela, reduto de eleitores do Lula. Ao Chalé do Carlinhos fui poucas vezes, mas marcantes. Meu ponto era mesmo o Sô Michel, um libanês finíssimo, e sua esposa, Dona Lucy, com os quais eu conversava durante horas, sobre política e suas lembranças da terra natal. Nos cinco anos em que morei no bairro Ipiranga, usei os serviços do Pirapora e do Delle's. Perto da sede da secretaria de cultura, dentro do edifício Central, havia o Adilson e, quando nos mudamos para a Sapucaí, o Tia Emília ou Granito, do senhor simpatia Carlinhos.
     E para finalizar um bar que foi o idealmente meu bar de esquina, onde cheguei a beber, pouco, com meu pai. (Misteriosamente, só agora me ocorre a imagem de que ali meu pai, de alguma forma, me "passou o bastão" como 'filho botequeiro'.) Ficava na esquina das ruas São Luiz e Josias Cassimiro, a dois quarteirões de nossa casa na São Mateus, no Instituto Agronômico. Foi ele que usei como cenário (e de onde roubei personagens) para meus contos de Suíte Bar. O dono era o Tomás, sujeito elegante, inteligente, sensível, companheiro de seus fregueses. Quando cursei Letras, eu costumava chegar da faculdade perto de 23h, me sentava no freezer e nós dois proseávamos com folga por uma ou duas horas; era comum me posicionar ao balcão (onde costumava ver meu pai - será que minha mãe chegou a me mandar buscá-lo para almoçar?) nos fins de semana e costurar conversas até o meio da tarde com os "colegas de copo e de cruz".
     (Ainda bem que, hoje, aos 53, o bairro União não tem um bar da esquina para me tirar de casa...)
     PS.: A Rosângela lembra que eu não citei o Cantinho da Glau, bar que, segundo ela, "é tão bom como se fosse na minha esquina", em minhas palavras. Bom, não citei o Bar da Glau simplesmente porque ele ainda é um bar da minha esquina.




sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ENCONTROS CASUAIS

    
    Era uma entrega de prêmio literário em BH. Depois da solenidade, cervejas e cada um foi pro seu canto. Marçal ia dormir lá em casa, um barracão que eu alugava na casa do Régis Gonçalves, na rua Jaspe, Floresta. Portanto corria o ano de 1990. Fomos tomar a saideira no bar das irmãs do Carlinhos, na Pouso Alegre. Era a garagem da casa delas, duas ou três mesas, uma onda bem íntima, amigos e familiares delas. Mas já devia ser quase meia noite e havia apenas as duas proprietárias, uma moça conversando com elas, eu e Marçal. (Engraçado, agora acho que tinha mais alguém com a gente...) A certa altura, Marçal fala meu nome em voz alta e a moça então dá um pulo em minha direção, quase se senta no meu colo. Ela não estava brava comigo.
     Flash-back: meu amigo Sylvio Proença havia se mudado para São Paulo há alguns muitos anos, foi servir na aeronáutica. Lá, frequentou um curso pré-vestibular, onde fez amizade com um Waldir Maniga. Juntos eles aprontavam todas, como afixar poemas nas paredes da escola. Por carta, Sylvio me contava essas coisas, e que havia usado alguns poemas meus.
     Corta para 1990, INT, noite, bar: A moça, excitada, feliz, conta que estudava naquela escola e amava meus poemas.
     - E o que você está fazendo em BH?
     - Um trabalho para um instituto de pesquisas. Você quer ser entrevistado?
     Continuamos bebendo e conversando por mais um tempo. Ela se chamava Lua. Acabou dormindo lá em casa também. Me deu um boné vermelho, foi embora de manhã bem cedo. Trocamos duas cartas. Nunca mais vi. Ainda tenho o boné.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

SOBRE O FILME NEBRASKA



UM RAIO-X  DA AMÉRICA
(Rodrigo Leste)
  
   O filme NEBRASKA trata do mais americano dos assuntos: o dinheiro.
    Em um bem escolhido preto e branco, a película mostra a trajetória de um homem velho, doente, perturbado, que acredita ser o ganhador da quantia de um milhão de dólares, promoção canhestra e picareta de uma revista que lhe caiu às mãos.
    O american way of life é inteligentemente dissecado pelo roteiro, muito acima da média dos lançamentos que aparecem por aqui. Televisão, mesquinharia, maledicência, além da overdose de comida e bebida são elementos constantes no cotidiano das personagens. Ao saber que o velho ia entrar no milhão, muita gente daquelas cidadezinhas cheias de tédio, por onde o protagonista passa na companhia de um de seus filhos, tenta armar arapucas para abocanhar parte da bolada. Aliás, o esforço deste filho que se dispõe a acompanhar o pai em algo que ele, o filho, sabe perfeitamente que é insensato e absurdo (o recebimento do prêmio de um milhão), é o contraponto humano que confronta a sórdida ganância dos que querem se apossar da grana do velhinho. O rapaz entende que a fantasia de ganhar o dinheiro é o pouco que resta na mísera vida do pai. Por isso se arma de uma paciência de elefante para fazer as vontades e caprichos do velho teimoso e obcecado; compreende que esta talvez, seja a ultima oportunidade de gozar de sua companhia antes que ele bata as botas.
    Uma cena marcante: um grupo de velhos, parentes do “feliz milionário”, assistindo um jogo de basquete ou futebol na tevê. Pessoas que não se encontram há muito, reúnem-se e ao invés de botarem a conversa em dia, curtirem a companhia uns dos outros, ficam prostradas diante de um aparelho ruminando suas respectivas solidões com as caras mais tristes e desamparadas do mundo.
    Se quiser conferir, vale a pena, NEBRASKA, um filmão!
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    O filme tem isso tudo mesmo que o Rodrigo diz, mas quero chamar a atenção para outro aspecto do roteiro: a compreensão do filho que, mesmo sabendo que o pai está investindo numa roubada, o acompanha na viagem e o deixa ver, com seus próprios olhos, que a parte mais podre do sistema fodeu de novo com ele. Isso é generoso, de sua parte, mas ao mesmo tempo tem algo de sádico, como muitas das ervas que temperam as relações familiares.