terça-feira, 26 de março de 2013

"OS NOVOS CRUZADOS" 3

   O Ângelo se aproximou. Olhei pra ele desconfiado, de modo que ele percebesse logo. 
   - Por que sua casa não está marcada?
   - E eu sei? Viram que merda? Vai dar um trabalhão pra limpar isso.
   Teve uma época em que ele tentou criar uma associação de moradores, gosta dessas coisas comunitárias, dá muita notícia do bairro.
   - E não é só na nossa rua - eu informei. - Essa noite vi três caras pichando um muro aqui na Quaquarema.
   - E deu pra ver quem era?
   - Não, Cris, eles estavam de capuz e correram assim que meu táxi se aproximou.
   - De madrugada, é? Mas por que não sujaram minha casa?
   - Boa pergunta! Nem a sua nem a da família Brito.
   - O que vocês têm em comum? - Cris tentando entender.
   Até onde já tinha calculado, nada. Acho que os canalhas escolheram duas apenas para criar uma desconfiança, ou para desviar a atenção. 
   - Vocês acham que é coisa de religião? Essa cruz de espadas... Alguém já viu isso antes?
   - Cris, você podia pesquisar isso na internet. E a gente precisa reunir os vizinhos para esclarecer tudo. Que tal hoje por volta das quatro horas? Pode ser na varanda de casa.
   O Ângelo ia voltar com o assunto de associação de moradores, eu podia apostar. Mas concordei e fui convidar os outros vizinhos.

terça-feira, 19 de março de 2013

"OS NOVOS CRUZADOS" 2

   Fiquei preocupado. O modo silencioso como os pichadores fugiram, aqueles capuzes, o silk da cruz cheia de detalhes... Não parecia apenas molecagem. Era alguma coisa a mais. Dava para pressentir um sentido de organização.

   Domingo acordei com a campainha. Cristina, vizinha do 23, também estava incomodada.
   - Você viu isso?
   - Claro, né, Cris, meu portão...
   - Não, idiota, os outros!
   - Que outros? Você acaba de me acordar.
   - Vai trocar de roupa que eu te mostro.
   - Café?
   - Eu faço. E vê se toma um banho.
   Essa moça é cheia de intimidades comigo. Não sei de onde ela tirou isso. Estudante de Letras, leu meus livros, fez um trabalho com um dos contos... Daí ficou assim, abusada. Eu gosto, ela é bacana.

   Incrível! Apenas duas casas do nosso quarteirão não estavam marcadas. O Ângelo, que faz transporte escolar e os Brito, uma família enorme no início da rua. As outras, todas com suas malditas cruzes de espadas! Assustador. 
   A princípio foi a quantidade, mas logo vi que o que me assustava mesmo era o sentido estético daquilo. A tinta não escorreu, não havia marcas do silk, o tom preto não variava (como se eles tivessem um estoque de latas em mãos, o que te leva a pensar que havia quem carregasse ou um veículo...) e, o mais importante: visto em perspectiva, o conjunto compunha um imponente corredor, macabro.

segunda-feira, 18 de março de 2013

"OS NOVOS CRUZADOS"


Saí da biblioteca do meu bairro um pouco mais tarde, quinta-feira da semana passada. Começou a chover logo que abri Os Maias. Queria só dar uma espiada, ainda estou lendo A cidade e as serras, meu primeiro Eça. Então, para dar um tempo à chuva, comecei a ler o romance. Quando dei por mim, já havia escurecido. Passei na padaria e comprei umas fatias de queijo pro café da sexta-feira.
Tive um dia normal. A noite deveria se ajustar ao programado: banho, lanche, revisar as provas do livro novo e leitura antes de dormir. Mas ao me aproximar de casa, tomei um susto: no portão, onde esteve, durante a campanha eleitoral, um adesivo do Patrus, havia um grafite preto. Não identifiquei a imagem de perto; me afastei e vi que era uma cruz, enorme, composta por duas espadas.
Chequei os portões mais próximos, todos normais. Que merda é essa, pensei? Tenho boas relações com meus vizinhos, nunca discuti com ninguém... Não poderia fazer nada àquela hora. Entrei e toquei minha rotina.
No dia seguinte, a caminho do metrô, vi mais dois portões com aquela cruz horrível.
Trabalhei normalmente, mas aquilo estava me incomodando. Seria vandalismo? Algum artista de rua? Publicidade?
Sábado bati na casa dos meus vizinhos para ver se eles sabiam do que se tratava. Nada. Outros vizinhos também estavam indignados com aquilo. Um deles, muito religioso, estava mais que todos, pelo uso do símbolo cristão. (Eu não tinha pensado em religião...)
Vida que segue. À noite fui a uma festa de aniversário, me diverti, voltei de taxi porque perdi o último ônibus. Algumas ruas antes da minha, vi, de longe, três pessoas de capuz diante de uma casa. Estamos no verão, BH está um inferno de calor. Aquelas figuras me chamaram a atenção. Quando notaram que íamos em sua direção, saíram correndo. Passando pela casa, pedi ao motorista para reduzir. Havia uma cruz de espadas recém-pintada no muro daquela casa.