sexta-feira, 25 de outubro de 2013

DOIS POETAS: ADEMIR E ALEXANDRE

   

   Estava para comentar o livro do Ademir Assunção, A voz do ventríloquo (Edith), que havia lido numa manhã de sol no Museu da Pampulha, à beira da lagoa, na companhia de turistas, capivaras e jacaré, e fui adiando, adiando... fiz aqui (http://sergiofantini.blogspot.com.br/2013/09/livros-mao-cheia.html) um comentário geral sobre vários outros bons livros, deixei o dele para depois, para falar em detalhes; adiei mais um tiquinho... e ele venceu o Jabuti. Agora nem vou falar mais do livro, de que gostei muito. Só registrar o prazer que foi recebê-lo na Merça, na festa de lançamento do Novella, em maio (e me sopraram que ele é de ir pouco a eventos); do prazer de ouvi-lo com sua banda na Funarte, há uns anos; do prazer de ter bebido com ele outras vezes; da satisfação de ter estado a seu lado (e de outros companheiros) na criação do movimento Literatura Urgente (http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=763:catid=28&Itemid=23); do aprendizado que tem sido folhear seus outros livros de poemas e ler seus textos sempre indignados, sempre nos lembrando que as lutas sempre continuam. Salve, Pinduca!

   Outro livro de que gostei e estava enrolando para comentar é o Exília (Dobra), do Alexandre Marino. Aproveito então para falar do poeta, deixando o livro para comentaristas mais perspicazes (http://tertuliapaodequeijo.blogspot.com.br/2013/06/exilia-alexandre-marino.html). Nós nos conhecemos em 1979, na porta do Maletta: eu vendendo meu folheto mimeografado No lar dos inseguros, ele, o seu Operários da palavra. Quando aceitou trocar livros, fiquei logo fã, pois o dele era livro mesmo. Isso me marcou, alterou meu modo de pensar a vida. Era um de meus primeiros contatos com o mundo literário exterior e, por sorte, com a experiência da generosidade. Ficamos amigos pra sempre. Nesses mais de 30 anos, temos compartilhado palcos, cervejas, amizades, discussões políticas, confidências... E ainda temos muito tempo pela frente. Salve, Zé!

domingo, 20 de outubro de 2013

ISADORA KRIEGER LÊ NOVELLA

Coiso, "A vida é assim mesmo" começa num pique ótimo, gosto muito do uso da repetição como link, deixa o texto fluido, "todo mundo tem um passado", "todo mundo tem um passado", e como tem. Ah, e o humor é maravilhoso, aquele tipo de humor que não é um mero entretenimento, é esperto, debochado, "a gente rezava ajoelhados, de lado, e, quando terminava, eu esperava ele levantar e aproveitava a posição, já viu, né?", "Quando conheci, já tinha abandonado a literatura, recebia uma mesada da ex-mulher, juíza de um tribunal. Ô sujeito amargo! Ressentido e mal-humorado. Encontrava a filha domingo. Me levava junto pra almoçar. Depois me trazia em casa, via algum seriado na TV e, ui, ainda era bom com a língua", ai, que vida... 

A primeira frase do texto da "Lanona" já tinha chamado a minha atenção no dia do lançamento do teu livro na Mercearia, "Todo mundo comeu Lanona", muito bom! não sei explicar direito, mas, às vezes, leio a primeira frase de um texto e penso: Nossa é assim que se começa, mesmo, é esta a frase. Por exemplo, não me esqueço da primeira frase de um conto da Andrea Del Fuego para antologia Geração Zero Zero, é assim: "Meu marido é um palhaço", e ainda tinha um truque ótimo, porque no fim o marido era palhaço mesmo, um profissional da risada. Bom, mas voltemos a tua Lanona, aí vem o Obira, que mesmo feio pra caralho comeu a Lanona, feio e chato, "nossa, como Obira é chato", e como isso é verdade, Sérgio, rs, e o Pata, que fala pelos cotovelos e certamente é mais um chato, rs. A quadrilha que você desenvolveu em torno da Lanona é demais, um personagem puxando o outro, até o ótimo desenlace, quando o narrador diz: "Eu também comi Lanona. Comi e ainda como, ela exige (!), diz que casou por amor. Eu acredito.", muito bom isso, mesmo depois da Lanona dar pra todo mundo, "eu acredito", só não sei se eu acreditei no amor da Lanona, rs, na verdade, eu sempre duvido quando o assunto é amor.
Agora vou direto para a "Chuva", que foi um dos que eu mais gostei, bem bonito, Sérgio. Você é muito bom em colocar a gente no lugar do personagem, a gente sente o clima, a atmosfera do ambiente, se transporta mesmo. Neste caso senti até a aflição da espera, e, como o texto é narrado no presente esta sensação aumenta. O trecho que começa com "Não é aquela calça jeans, não é aquela saia curta nem a saia longa....." que vai até "não é ninguém que tenha passado por aqui nesta esquina nos últimos vinte minutos, mas eu ainda espero", além de ser poético, mostra bem como acontece na "realidade", quando você espera alguém, ansioso, olhando os rostos, é ou não é ele/ela, não é, não é. Gosto muito também do mistério deste texto, como você deixa o leitor no suspense e não diz o que aconteceu, só mostra um estranhamento, "o clique do fone no gancho antes que eu pudesse dizer que". Ah, e o final, o final é sutil, lindíssimo, "você, chegando, fecha a sombrinha, olha para o chão e puxa o capuz para as costas", clap clap clap.
E "Daqui pra frente" também é um dos meu preferidos, eu já tinha lido este, você me mandou por e-mail uma vez. Ah, e como dá vontade de alguém que dê as coordenadas de um encontro, assim, com um cuidado, uma atenção, mesmo que os próximos dias se tornassem muito mais difíceis.
Alguns textos a gente lê e sente como uma prosa poética, outros a gente lê e sente como uma poesia em prosa, falando assim, parece que não existe diferença, mas existe sim, isso ficou bem claro para mim quando conheci a poesia do Cesare Pavese. Citei isso porque o "Jamais reutilize uma embalagem vazia" me pareceu o segundo caso. Além disso, achei o texto denso, passa uma sensação de incômodo, de lugar sujo, de solidão dolorida, realmente a "brisa não ameniza".
Agora, "Um amigo de Deus" é foda, putz, Sérgio, que retrato da atualidade, da loucura, da religião, da falta de entendimento entre as pessoas, e mesmo assim, engraçado, tragicômico na verdade. Aqui repito o que disse antes, de como você é bom em colocar o leitor na situação, no clima do ambiente. Achei isso lindo: "De repente, gritos! Olhamos para o cruzamento: dezenas de ciclistas fluorescentes. Passaram velozes e sua animação foi diminuindo na madrugada, nos devolvendo o silêncio e o frio (!)". E isso é genial: "O vento continuava fustigando as folhas da Bíblia quase caindo na sarjeta", e um pouco depois, "Bateu um vento mais forte e a Bíblia, afinal, caiu na sarjeta." uau, que imagem! Outro lance que achei demais, além do nome Denoel (Denoel é muito Denoel, rs), foi o personagem que tira uma com a cara do Denoel, "Ah, eu sou a minha própria igreja." neste momento pensei: Ele tá dizendo que é Jesus Cristo?, e ri, dei muita risada do coitado do Denoel, rs. Bom, e as frases, né? Aquelas tão honestas que a gente até escuta o personagem falar: "E tirou a porra de uma arma da porra da pasta!" aí todos vão embora, entram no ônibus que arrancou rapidinho, embora seja o ônibus que arrancou rapidinho, este rapidinho me pareceu cruel, é como se no fundo estivesse falando das pessoas, ninguém ajuda, todo mundo se manda, sem olhar para trás. Mas um desconhecido paga o táxi para o hospital, quem? quem? o filho? este detalhe e a história com o filho não ficou muito clara para mim, é proposital? ou fui eu que não peguei?
Praia da Estação, ótimo! é hoje! é a gente! é a manifestação! é o Emerson, que toca saxofone na calçada do Conjunto Nacional, mesmo depois do dono da Livraria Cultura, veja bem, o dono de uma livraria, tentar proibi-lo de tocar ali. Ah! Serve até como um impulso, "Revolução não é só uma palavra".
Ah, e a Dorinha, talvez seja o meu preferido, eu senti uma ternura triste, já tinha sentido algo parecido com o Guimarães Rosa. O texto todo é muito bonito, e o final, putz, o final: "De uns tempos para cá, deu para cantar modinhas antigas para me ninar. Muitas falam de amor e generosidade (!!!). Eu tento não esquecer". Sérgio, parece até uma música, um adágio, que dá aquela sensação de nostalgia, de saudade antiga, de algo lindamente triste.
E só no inferno - a salvação. aham!
E a Maria, uma poesia, repleta de imagens lindas, "Maria, de duvidar da minha existência, da minha passagem por sua vida, um gato preto que cruzou a sua estrada de flores coloridas (!), pessoas simpáticas e espirituais, luz e todos esses passos suaves que a humanidade deveria dar." "Como testemunhas os sinos mudos da igreja (!)". "Como se em meu coração brilhassem apenas brocais descolados de uma fantasia de Carnaval (!!!)". Aquele trecho no qual ele conta como a Maria de ninguém, de uma pessoa séria, de roupas e ares caretas se transformou no seu amor, quando lhe disse: "Você sorri bonito", é muito, mas muito lindo, é isso, né? às vezes um gesto, uma frase, muda tudo, anuncia a paixão.
Bom, Coisotini, é mais ou menos isso, poderia falar mais, mas este e-mail já ficou longo e certamente alguns detalhes me escaparam, sempre escapam, acabei citando os textos que mais me marcaram, que mais mexeram comigo. Parabéns pelo livro, pela tua dedicação, é muito claro como você trabalha em cima do texto, se importa com a construção, a lapidação, a concisão, enfim, como é a tua praia mesmo a literatura.
Só mais um detalhe, você sabe como sou chegada numa metafísica, na verdade, numa mistura entre o transcendente e o humano (perdoe as duas palavras tão desgastadas, mas é isso), por tal motivo gosto tanto da Hilda e gostei tanto do Campos de Carvalho, literatura que permanece apenas no uísque, no jazz e no homem largado por uma mulher não me fisga, mas isso já é gosto pessoal. O curioso é que a tua literatura não é nem uma e nem outra, fica entre as duas. Ah, Coiso Coiso, gostei demais!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

POETA LUIS OLAVO FONTES

   Antes de começar este comentário, fui buscar foto do poeta na web; achei uma ótima entrevista feita por Masé Lemos em 2009 para a "Z Cultural". Em alguns minutos de leitura, fiquei sabendo mais sobre o LOF que em todos esses anos em que conheço sua poesia - e que nos últimos cinco dias, quando li a coletânea Papéis de viagem (editora Seis, 1993), que reúne sua produção poética de 1973 a 1981.
   (Por uma ótima coincidência, estou ouvindo pela primeira vez a banda Bubble Puppy, um álbum de 1969.)
   No início dos anos 1980, recebi, certamente por indicação da Leila Míccolis, dois livros do carioca Luis Olavo Fontes: Papéis de viagem e Tudo pelos ares. Gostei do que li e continuei gostando até hoje; guardo meus exemplares com carinho e, volta e meia, releio-os com o mesmo prazer de sempre.
   Num momento inicial da leitura da coletânea, no ônibus subindo a rua da Bahia, manhã de sol e sexta, me perguntei por que essa poesia ainda me encanta, mesmo que o leitor exigente de hoje, com vinte anos a mais de experiência, perceba nela alguns cacos/vícios/desleixos. A resposta veio um quarteirão depois (acima da Afonso Pena): empatia.
   Sem cair na besteira de me incomodar tentando analisar a poesia do Luis, me dei conta de que ela é/reflete muitas das coisas de que gosto, dentro e fora da literatura: ritmo, rock'n'roll, leveza, velocidade, achados, filosofadas, beleza, imagens surpreendentes, viagens... e, muito muito especialmente, um grande amor pelo ser humano e pelo planeta.
   Terminei agora há pouco o livrão que juntou doze livros dos anos 1970. Semana que vem vou relê-lo marcando meus poemas preferidos. E em algum momento, depois, vou criar uma situação para dizê-los em voz alta.
  
   

terça-feira, 1 de outubro de 2013

ALEXANDRE BRANDÃO

De enfiadinha

Dia desses, no Facebook, falei uma mentira. Disse que, desde que lera e relera no mesmo instante um livro de Nabokov (Machenka, Companhia das Letras), só agora, ao ler “O que deu pra fazer em matéria de história de amor” (Companhia das Letras), de Elvira Vigna, voltara a ter experiência similar. Na realidade, essa de dar duas leituras assim de enfiadinha havia me ocorrido um pouco antes com livros de dois amigos meus. Um do conterrâneo Alexandre Marino (Exília, Dobra Editorial) e o outro do também mineiro Sérgio Fantini (Novella, Jovens Escribas).
Foto de Alexandre Brandão.

O que leva um sujeito a ler duas vezes em seguida um mesmo livro? Ou encanto ou assombro. Encantado, é impossível abandonar o livro. Assombrado, é imperativo voltar a ele para, de fato, compreendê-lo ou decifrá-lo — e ser, enfim, devorado por ele.
A releitura de Nabokov esteve ligada à questão do assombro — li e reli, confesso, por não entendê-lo na primeira leitura. Se não estou enganado, já que busco na memória algo acontecido há muitos anos, não é um livro fácil. Do mesmo Nabokov, é melhor ler “Lolita” (Alfaguara Brasil).
Nos casos de Fantini e Vigna, a questão tem a ver com o encantamento, mas, como escritor, a releitura foi também um golpe baixo, quer dizer, tentei decifrar, na segunda visita, os truques dos nobres colegas. Fantini, por exemplo, é dono de um texto enxuto, mas de um enxuto comparável ao sujeito magro de nascença, daqueles (não sou eu, mas foi meu pai) que passam a vida sem saber o que é gordura. Assim, meu amigo de Belo Horizonte, ainda que trabalhe muito para ter o texto pronto e seco, não deixa vestígios de seu bisturi no que escreve. Seus contos estão de um jeito que parecem ter sido desde o nascimento. Assim especialmente nesse “Novella”, livro de narrativas curtas, que flertam com a poesia.
Já Vigna nos conta uma história que a própria personagem e narradora conhece, digamos, de ouvir falar. Isso não seria nada surpreendente se ela não se agarrasse àquela história como forma (quase) única de estruturar a própria vida. Ela relata a vida de seus sogros, se é que os pais de um parceiro com quem vive e deixa de viver com certa frequência podem ser chamados de sogros. Bem, ao narrar e confrontar-se com a história contada, a personagem (sem nome) vai fazendo o que dá em matéria de história de amor com seu homem, que talvez não seja filho do pai dele e que é pai, sem saber, do filho dela. Vale situar o período histórico da narrativa, pois, me parece, ele é fundamental: começa, no período da Segunda Guerra, com a migração de uma família judia, a do sogro, da Alemanha para o Brasil, passa pelo período da ditadura militar e desemboca nalgum momento mais recente, no qual, por exemplo, a AIDS já tinha dado a sua cara e feito suas primeiras vítimas. Seja como for, para quem associa literatura feminina a Clarice Lispector, um conselho: interne-se numa clínica e desintoxique-se antes de ler Vigna. O feminino são muitos, destaco e teclo sem motivo aparente o óbvio.
Resta meu xará, Alexandre Marino, dono de uma poesia que me encanta e me assombra. Para falar dele (ou da própria poesia), tenho de confessar uma idiossincrasia: nunca dou por terminada a leitura de um livro de poemas. Se me perguntam se já li um livro qualquer de poesia, mesmo que já o tenha lido, respondo que não, que não li, que estou lendo. Por que tamanha sandice? Ora, porque os livros de poesia são como a Bíblia ou o Alcorão, leitura para a vida inteira, portanto interminável. Se agora eu confesso que li e reli o Exília de enfiadinha estou apenas anunciando o início do embate. Voltarei ao livro, hoje ou amanhã, ou hoje e amanhã, para reencontrar “Os pássaros de Bagdá”, poema que diz que “ninguém pensou nos pássaros de Bagdá,/desafios canoros/que os ditadores ignoram”. Antes do poema estive entre os que não pensaram nos pássaros — nem nas baratas, nem nas árvores que velam os generais mortos em combate.