quarta-feira, 20 de junho de 2012

UM AUTOR MUITO QUERIDO



   Certa vez, faz tempo, meu amigo Régis Gonçalves me disse: "Você tem uma vantagem, não leva tão a sério a literatura e você mesmo. Parece o Kurt Vonnegut." Eu gostei, mas só fui ler o escritor norteamericano muitos anos depois. E fiquei fã, como era do Régis esperar.
   Li a obra completa dele, ou quase: Sereias de Titã, Cama-de-gato, Matadouro 5, Pássaro na gaiola, Café da manhã dos campeões, Hocus Pocus, Pastelão ou Solitário nunca mais... Gosto muito. É um satirista; tem um modo de cortar a narrativa que parece aleatório, mas sempre a recupera enquanto você se distrai com outra parte do enredo; suas histórias são estranhas, têm sempre algum elemento muito inesperado; é um humanista, tem um olhar atento para as misérias dos seres humanos e, junto, uma crítica mordaz à sociedade; enfim, estante de cima, claro.
   Comecei mais um livro dele, póstumo, Armagedom em retrospecto. São textos e contos inéditos (esta edição da L&PM é de 2009). O prefácio, do seu filho Mark, já me deixou atento, vem aí boa leitura. Uma ótima que ele conta: em 1950 Vonnegut foi contratado por uma revista de esportes. Recebeu  a tarefa de escrever um texto sobre um cavalo que havia pulado uma cerca. Ficou horas olhando pro papel e, antes de mandar o emprego à merda, escreveu: "O cavalo saltou sobre a porra da cerca."
   Em seguida vêm uma carta dele, de 1945, do front, ao seu pai; o texto da palestra que fez na abertura do Ano Kurt Vonnegut Jr. em sua cidade natal; um relato emocionado sobre a destruição de Dresden pelos aliados, onde esteve como prisioneiro de guerra; uma ficção irônica, meio FC; e outro conto, em que três prisioneiros discutem sobre o que vão comer quando a guerra acabar (só li a primeira parte deste).
   Ainda me restam oito textos. Vai ser um bom período de leitura, com certeza.

sábado, 16 de junho de 2012

AS BOAS CRÔNICAS DE ALEXANDRE BRANDÃO

    
   Repito: o melhor que a literatura me deu foi fazer bons amigos. Para minha maior alegria, muitos deles são ótimos escritores. 
   2009, Antonio Barreto convoca: "um meu conterrâneo vem a BH lançar livro no bar Agosto".  Atendi, claro. Sorte minha: conheci um ótimo bar, o Agosto Butiquim, do também passense Lucas Brandão e seu primo Alexandre Brandão, que lançava A câmera e a pena. No bar, depois ainda fizemos um encontro dos Quintaneiros Infernais, lançamos Como se não houvesse amanhã e tivemos outras tantas boas noitadas.
   Alexandre virou amigo de infância. Nestes quase 3 anos, tivemos poucos e semietílicos encontros (raro, escritor abstêmio). Mora no Rio de Janeiro/RJ, trabalha no IBGE e acaba de lançar No Osso - crônicas selecionadas (Cais Pharoux). Que é o que interessa: baita livro bom.
   Eu colocaria em qualquer antologia, ao lado de nossos craques, ao menos uma meia dúzia desta coletânea, que pode ser encontrada aqui: http://www.lojasingular.com.br/catalogsearch/result/?order=relevance&dir=desc&q=no+
   São crônicas que, como quaisquer boas outras, abordam temas do cotidiano, política, infância, linguagem, literatura, artes... E que, como as melhores dos melhores, são bem escritas, têm leveza, te deixam à vontade e te levam a breves reflexões sobre cada tema abordado.
   Repito: ganhar amigos - e que ainda são bons escritores, é um privilégio.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A CARTA ABERTA DE RICARDO ALEIXO

CARTA ABERTA AO VEREADOR ARNALDO GODOY

Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2005


Caro vereador Arnaldo Godoy,

Dado o total despojamento com que você conduz sua vida pública, dispenso-me de tratá-lo por Vossa Excelência, como mandaria a “etiqueta” (termo esvaziado de sentido numa sociedade, como a brasileira, que, cada vez mais, parece conformar-se com a triste constatação de que o tempo da civilidade situa-se inapelavelmente em algum lugar do passado). Somos, afinal, você e eu, dois homens que fazem usos distintos da palavra pública. Um, o poeta – homo esteticus – empenhado até o limite da sanidade na recuperação da dimensão pública desse bem comum que é a palavra; outro, o vereador – homo politicus –, capaz de, em alusão à sua condição de "deficiente" visual, fazer de um belo verso de canção popular (“A vida não é só isso que se vê”) o mote de sua trajetória política.

O que tenho a dizer-lhe é de interesse da cidade de Belo Horizonte, ou melhor, dos cidadãos belorizontinos – daí a razão de eu preferir a forma da carta aberta para me dirigir a você, em lugar de simplesmente solicitar uma audiência em seu gabinete. O assunto é a Bienal Internacional de Poesia, iniciativa que, a despeito do êxito de sua primeira edição, em novembro de 1998, foi interrompida tão logo você foi empossado, em janeiro de 1999, como titular da hoje extinta Secretaria Municipal de Cultura. Refaço a frase: você, vereador Arnaldo Godoy, é o grande responsável pela interrupção de um projeto que tinha tudo para se transformar em referência nacional e internacional na área de poesia, à semelhança do que ocorre com eventos como o Festival Internacional de Teatro/FIT, o Fórum Internacional de Dança/FID, o Fórum.Doc, o Eletronika e outros.

Como tenho dito à exaustão, a Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte não surgiu “do nada”. Surgiu, e isso deve ser dito com todas as letras, de uma iniciativa pioneira e corajosa da Secretaria Municipal de Cultura, então administrada pelo compositor Fernando Brant – que assumiu a pasta em substituição a Luiz Dulci, hoje ministro do governo Lula (o projeto da Bienal foi elaborado na gestão de Dulci, um refinado leitor de poesia). Num momento em que se discute, no plano nacional, a implantação de políticas públicas para a literatura, força é lembrar que a primeira – e até o presente, única – edição da Bienal Internacional de Poesia representou o coroamento de uma série de atividades patrocinadas pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 1993, quando teve início a gestão de Patrus Ananias. Listemos: o happening coletivo “Museu de Tudo” (que, nas vozes de atores mineiros, fundiu textos de diversas gerações da poesia brasileira, no Museu de Arte da Pampulha) e a comemoração dos “30 Anos da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em 1993; a “Temporada de Poesia”, da qual fez parte uma coleção de 10 fascículos sobre a história da poesia na cidade, em 1994; o ciclo de leituras e performances “Sexta Sintonia Poesia”, em 1996.

Em outras palavras, vereador, o que você fez, ao “engavetar” o projeto de continuidade da Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte, foi nada menos que desconsiderar, acintosamente, o empenho de muitos na construção de um espaço digno – porque público e, portanto, aberto à diversidade – para a poesia na capital do estado natal de poetas como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Affonso Ávila e Sebastião Nunes, para citar apenas esses fabulous four.

“Espaço digno para a poesia”, caro Arnaldo, é algo que, por transcender a atenção às demandas dos “fazedores de poemas” (que já contam, em seu benefício, com os caquéticos concursos literários e a entediada rotina das academias de letras), aponta para a possibilidade de fazer com que a poesia não se restrinja aos pequenos círculos de privilegiados, projetando-se, pelo contrário, como o locus por excelência da pluralidade idiomática, estética, étnica, cultural, social e, sempre é bom lembrar, da beleza (na última edição da revista “Bravo”, Teixeira Coelho escreveu o seguinte: “A beleza que atende pelo nome de arte não é instrumento de nada, certo; mas nessa condição de estrutura vazia, é causa do melhor”).

De volta ao futuro. Como vem sendo amplamente noticiado, tenho trabalhado no projeto de reativação da Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte, BHZIP, com a intenção de realizá-la já em setembro próximo. E quero conversar com você sobre de que forma seu mandato pretende colaborar com a versão 2005 do projeto, já que há muito por ser feito. Em uma frase, quero poder ostentar sem qualquer constrangimento, entre os créditos aos apoiadores da BHZIP, a menção agradecida ao “gabinete do vereador Arnaldo Godoy”. E é isso. Aguardo seu contato. Certo de sua atenção, cumprimenta-o,
respeitosamente,

Ricardo Aleixo

BIENAL DE POESIA PARA BH

  
   Há alguns dias, Ricardo Aleixo trouxe novamente à tela o fato de que Belo Horizonte/MG realizou um excelente evento de poesia, em 1998, e perdeu a oportunidade dar-lhe continuidade. Foi abortada sua segunda edição e ficou por isso mesmo. 
   Funcionário da então Secretaria de Cultura da Prefeitura, eu estava na coordenação daquela 1ª Bienal Internacional de Poesia (ainda na fase de pré-produção, optei por ficar com uma tarefa menor), ao lado de Marcelo Dolabela e RA. Participei de todo o processo, um dos grandes momentos de minha carreira funcional.
   Desde então, a cidade teve momentos mais ou menos interessantes na relação com a poesia. 
   Em 2005, Ricardo enviou uma carta aberta ao vereador Arnaldo Godoy, ex-secretário municipal de cultura. Nela, expõe os fatos que o levam a não deixar calada uma verdade que tem se mantido sob o tapete todos esses anos (reproduzo sua íntegra na próxima postagem).
   O que se reivindica é uma posição coerente com a importância da cidade, de sua história, de seus poetas, produtores e possibilidades.
   Por tratar-se de política pública, exige uma resposta do poder público, claro, mas também e principalmente dos setores da sociedade diretamente interessados no tema.
   Continuo funcionário da Cultura da prefeitura. Acho que Ricardo está certo e já deu provas de que tem competência e disponibilidade para contribuir no processo de construção da 2ª Bienal Internacional de Poesia de BH.
   Diálogo aberto.

terça-feira, 12 de junho de 2012

O TEXTO DE ELVIRA VIGNA

 
 Faça como eu, não leia orelhas (e outros anexos) antes da literatura. Esta é uma recomendação que serve muito bem para o romance O que deu para fazer em matéria de história de amor (Cia das Letras), de Elvira Vigna.
   Puta romance.
  E logo queremos saber qual é a história de amor do título: a de Arno, Gunther, Rose; Roger e narradora; narradora e Santiago, e irmã... 
   Prefiro pensar que a palavra chave é matéria: Elvira estabeleceu uma relação amorosa com a linguagem e com a possibilidade de contar uma certa história (Arno, Rose, narradora etc.) de um certo modo.
   A história não se estabelece para o leitor de uma forma clara logo de início; um grande prazer desta leitura é acompanhar o texto, ser parceiro das modulações de ritmo e humor que a autora vai apresentando a cada página. 
   Não é apenas uma ótima história. É, principalmente, um grande texto literário de uma grande escritora dando suas melhores cartas, um royal straight flush para que possamos começar um novo jogo - a leitura.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A MATÉRIA DA POESIA



Era um evento com microfone no Ponto de Leitura do Parque Municipal. Alguns convidados liam poemas e trechos de prosa, bom público para uma manhã de domingo.
Um sujeito me chamou de lado e perguntou se podia também recitar um poema. Antes que eu dissesse sim, emendou uns versos bem rimados, boa cadência, voz firme. Esperei uma oportunidade e o anunciei.
Com jeito de quem é acostumado com as luzes da ribalta, começou a se apresentar: nascido no Vale do Jequitinhonha, veio cedo para a capital etc. etc. e nada de poesia. Discretamente lhe fiz sinal para acabar com o discurso. Ele fez uma pausa, limpou a garganta e começou: “O grande companheiro Lula está mudando o Brasil, blablabla; o ministro Gilberto Gil é que está certo...” e tome elogios ao governo. Apelei e, ostensivamente, o interrompi: “Meu amigo, e aquele poema que você queria nos mostrar?” O camarada não se fez de rogado, abaixou o microfone, limpou com força a garganta e mandou: “Poesia? Que poesia, rapá! Eu gosto é de farinha!”
Empinou o queixo e saiu cambaleando seu resto de domingo pelo parque.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

MEMÓRIA DE LEILA MÍCCOLIS

Em 1982 eu já tinha publicado uns 3 ou 4 livrinhos de poemas. Estava com uma nova série para fazer mais um. Ouvi falar da editora Trote e a sondei para ver como funcionava. Não rolou, mas mantive a correspondência com Leila Míccolis. Que se transformou imediatamente em amizade.
   Talvez o humor das cartas, a admiração que de cara tive por sua poesia... Não demorou e fui visitá-la em Vila Isabel (primeira vez que fui ao Rio). E isso se tornou uma rotina, algo impensável hoje. Volta-e-meia pegava um ônibus sexta à noite e voltava domingo para trabalhar segunda cedo.
   Leila sempre foi muito carinhosa e paciente comigo. Me levou a quase todos os pontos turísticos, bares, praias, sítios; fomos a eventos de poesia, me apresentou a muitas pessoas interessantes, enfim: os anos seguintes foram de crescimento para mim graças à generosidade desta grande amiga.
   Portanto, neste 2012, comemoro 30 anos de amizade com uma das pessoas mais legais que já conheci. Como sempre digo: a melhor coisa que a literatura me deu foi ser amigo de gente assim.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O FUTEBOL E AS DROGAS



Alguém fez circular uma mensagem por email com o seguinte teor: “Depois que entendi que o consumo de drogas pelas classes média e alta é o que sustenta o tráfico e todas as suas consequências nefastas, decidi romper a amizade com as pessoas que usam drogas. Portanto, se você é uma delas, da próxima vez em que nos encontrarmos, faça de conta que não me conhece.”
Este indignado não era meu amigo, portanto o assunto não me dizia respeito. Mas me lembrei disso ontem, quando o Atlético Mineiro contratou o Ronaldinho Gaúcho. Vi mensagens no Facebook, ouvi pessoas discutindo e mais uma vez me senti deslocado. Por que pessoas que têm, ou aparentam ter, discernimento sobre muitas coisas da vida, se deixam levar por esta fantasia de futebol?
Você já deve ter assistido à cena de dois sujeitos, na rua, no ônibus, por aí, falando de futebol. Como eles se entusiasmam, como defendem este ou aquele time, este ou aquele jogador, dirigente, jogo, campeonato, título, técnico, juiz, estádio, comentarista, programa de tevê... Não é incomum que cheguem a trocar insultos e agressões físicas. E depois cada um segue seu caminho, sua marmita vazia, seu salário mixuruca, sua vidinha mais ou menos...
E a imprensa quer é mesmo isso, é disso que os sistemas se alimentam, da atenção que damos ao que não incomodará a elite, os donos do poder, o capital, a estabilidade governamental... Todo e qualquer noticiário sempre destina um grande percentual de tempo ao esporte, isto é, ao futebol. Nosso circo.
Não penso em tomar uma atitude radical como aquele cara que ficou indignado depois de ver um documentário sobre drogas na tevê, mas gostaria ainda mais de meus amigos se eles dessem a este número do picadeiro uma atenção menos ingênua.