quinta-feira, 27 de junho de 2013

SOBRE "NOVELLA"


LUÍS GIFFONI:

Sérgio Fantini, um escritor mineiro que se esmera em dizer muito em poucas palavras, acaba de lançar mais um livro de contos, chamado Novella. Bem, novela deveria ser uma história mais alentada, com mais páginas. Digamos, então, que o conjunto de contos forma uma novela, ao imaginarmos uma ligação entre as histórias, todas com personagens urbanos, outsiders, meio duros quando não totalmente duros, todos em busca de sua humanidade, colhida na bateia das palavras, onde se alojam as pepitas do texto bem burilado. Os contos mais longos me chamaram a atenção, Um amigo de Deus e Muito Silêncio (por nada), no qual ele dialoga com Ítalo Calvino e Reinaldo Santos Neves, um grande escritor capixaba. Dois textos excelentes. Também surpreendem as histórias Pra cima com a vida!, eco de uma obra de JDSalinger; Bons Motivos pra se Matar, uma ironia de doer; e Lalona, que baba sarcasmo. Ao terminar a leitura de Novella, fica a impressão de que o contista tem em mãos farto material para novelas, porém preferiu condensá-las. O resultado é este: Sérgio Fantini, uma vez mais, diz muito em poucas palavras. 


CAIO JUNQUEIRA MACIEL:

BILE THE KIDD, HERÓI DA NOVELLA

“…mas na hora queria te matar, já que me matar ainda estava fora de questão”.
(Sérgio Fantinni, Novella, ed. Jovens Escribas, p.76)

Estão dizendo aí que o diabo mora nos detalhes e por que diabos a gente gosta de um livro? O raio do livro tem uma capa intencionalmente feia, feita por um belo de um romancista chamado Marçal Aquino, e o conteúdo do livro está longe de ser caracterizado de feio ou de bonito, adjetivos que nada acrescentam a essa obra fantinesca, novella de fantinim em vez de novela de folhetim. O novella com dois ll se explica, sob meu espanto de vista, em razão de dois ll fundamentais pro Sérgio Fantini: L de lucidez e L de limpeza (o que não tem nada a ver com alguns palavrões presentes no livro). Mas se acharem que lucidez e lucidez formam uma só qualidade, pois o escritor lúcido é o que sabe escoimar, varrer, arejar o texto (sem cair na assepsia), escolho outro L, de lancinante, pois a leitura das narrativas sabem golpear, são pungentes, há até momentos de aflição, que dá até vontade de parafrasear o que disse um dos personagens: “Seus próximos dias serão muito mais difíceis”. (p.41)
Não que o livro seja difícil, que diabo, mas não se trata de uma leitura de puro entretenimento, nem muito menos um mero pastiche dos relatos da violência urbana que povoam o neo-naturalismo da literatura contemporânea. O que se lê aqui é um grupo de narrativas bem apuradas, fruto de um trabalho de formiguinha desse elefantini que, há tempos, tem demonstrado coerência, unidade e força em tudo o que faz, mesmo não angariando ainda uma multidão de leitores. Que outros assistam às novelas essebestéreis ou gluglubais, piegas ou repletas de truques turcos, pois aqui o buraco é mais em cima, e, sem mais delongas, aponto um meia dúzia de razões para que se tenha esse livrinho ao nosso alcance (deixando ao alcance dos meninos apenas a história da Baleia Conceição):
1) Das intertextualidades: Fantini não nega que se inspira em Wander Pirolli e, além desse enorme contista mineiro, há explícitas páginas poéticas do capixaba Reinaldo Santos Neves, uma espécie de Virgílio que leva o Fante e seu narrador a golpear as portas do inferno. É desse poeta que busco a bile do título para essas observações, pois num soneto de Santos Neves que lemos esta pontuda preciosidade: “ Não vejo a hora, porém, se é que virá,/ de torná-lo a expressão de minha bile”. É de acertar o fígado, como a maioria dos contos do Fantini. Há outras citações e excitações, até epígrafe colocada no fim, até tiradas que são fagulhas de Luís Vilela (“Chuva”, “Deus sabe o que faz”), ou mesmo de Guimarães Rosa, como na caracterização daquela Mariza que “usa azul nos olhos” (lá no Sagarana tem a mosca que usa a barriga azul).
2) Das frases e situações lancinantes: A gente começa ler frases aparentemente simples, que se repetem, como “todo mundo tem um passado,” “todo mundo comeu Lalona”, de repente vemos à solta um “Gustavo furioso”, e personagens que enumeram “bons motivos para se matar”, e, “vamos dizer, Maria” , acabamos inapelavelmente confinados dentro dos espaços e dos espessos personagens, apertados nos lotações, varando o centro nas madrugadas de Belo Horizonte, baleados por esse Bile The Kidd, que está longe de ser um pistoleiro de araque.
3) Da consciência do fabulista: o narrador não fixa fatos, não documenta casos, exibe, em sua lucidez, a visceral relação entre vida e literatura, mas destacando que sem o papel e sem a personagem, o narrador de nada vale, pois existe é na linguagem e o resto é bagagem.
4) Do humor irônico, um tanto quanto cínico: novelinhas e filmes B são cutucados com um humor às vezes cáustico, que deixa personagens a ver navios com o mastro nas mãos ou percebendo, putamerda, o que significa chamar-se Glória diante de um pastor assassino carregado não apenas de hosanas.
5) Da consciência política e da consciência poética: há um texto antológico chamado “Praia da Estação” que é um verdadeiro manifesto político sem ser panfletário, regado por refrões poliglóticos e que se encontra com a poesia. Esta, ademais, é espalhada em vários relatos, às vezes até subjugando a própria estória, como se vê nas primeiras estrofes-parágrafos de “Jamais reutilize uma embalagem vazia.”
6) Do olhar do outro: O livro de Fantini nos traz o olhar do outro, da outra, da puta, do marginalizado, dando continuidade ao que já fez Pirolli, ao que já fez João Antônio, ao que já fez Lima Barreto (aliás, nascido no dia 13 de maio, que nem o nosso autor). Mas não se trata apenas de repetir o que já foi feito, mas, sim, trazer, na ponta da língua, o sempre renovado brado e a necessária brisa que há de acalentar as pobres e tristes criaturas da noite. É novella de se seguir, é um caso sérgio essa nova literatura mineira.


RINALDO DE FERNANDES:

Li ontem o seu livro. Muito bom, camarada! Alguns contos são primorosos. "A vida é assim mesmo", com a narradora repassando seus amores múltiplos, é antológico. Tem um ritmo e uma solidão impressionantes. "Chuva" é outro texto maravilhoso - flagra uma situação da metrópole, os seus tipos anônimos, os odores da multidão - tudo muito bem sugerido. "Dorinha" é um romance compacto. Toda uma via é resumida em poucos passos. Aliás, alguns dos contos têm essa capacidade de sintetizar toda uma existência, à maneira de um argumento romanesco. "Daqui pra frente" é um roteiro cinematográfico em forma de conto. "Velhos amigos" é um retrato tragicômico da velhice. "Praia da estação" é uma crônica política demolidora. Enfim, são textos muito bem construídos - quase crônicas de uma BH com seus tipos e situações degradadas, apequenadas pelo peso de um cotidiano implacável, que carrega os seres de tristeza e sombras. Seu livro é mesmo muito bom. O conto do pastor é também maravilhoso e o conto final, uma história de paixão das boas, que nos apanham de cheio! Parabéns pelo livro!

sábado, 8 de junho de 2013

MEMÓRIAS DO JARDIM

"às vezes, a infância acaba no jardim..." - Marçal Aquino

   Márcia Braz postou no Facebook uma foto sua, criança, ao lado de outras meninas, colegas do Colégio Batista Mineiro, onde estudamos. Algumas comentaram, se divertiram tentando lembrar quem era quem - um festival de memórias e bom humor. 
   Desde sempre também guardo algumas lembranças. Animado por essas mocinhas, resolvi registrá-las aqui, antes que se percam totalmente.
   Começo por Marcinha: era levada da breca, como talvez se dissesse àquela época; foi a primeira a ter motoca, uma "cinquentinha", arrasava corações; sua mãe era dona da Importadora Levis; éramos vizinhos, costumávamos nos encontrar na rua, brincar; serviu de modelo para um conto meu;
   Adriana Borja e eu fomos os primeiros a recitar um verbo conjugado no presente do indicativo (claro que me apaixonei); era linda, mas muito rica pra mim: sua família tinha uma farmácia;
   Peterson Cobucci de Abreu era o único da nossa turma de pré-primário que conseguia contar história, uma história, a de Rapunzel, e nós o ouvimos contá-la algumas vezes; era um tipo bonitão, de acordo com as manifestações das garotas; 
   Eduardo Costa Ferreira, o "Pato", morava na Saldanha da Gama, 101; seu pai tinha um sítio e uma Rural; sua mãe se chama Haydèe; ele tinha um pantógrafo e estudava inglês no ICBEU;
   Carlos Rocha Santiago, o "Cacá", também era rico, morava numa mansão da rua Januária, onde funciona a editora Lê, com piscina e quadra; tinha um boxer e uma irmã Soninha;
   Hafez Tadeu Sadi, morava no mesmo prédio da Marcinha, na Sabará; o mais forte de todos, a alma mais bondosa: um certo Ademar, malvado, me chamou pra briga depois da aula; a turma esperando ver sangue, mas o Hafez chegou e avisou que teria que brigar primeiro com ele - meu herói!;
   Juventino Ribeiro Barros, sabia desenhar automóveis; o pai, dentista, fez uma palestra pra gente em que afirmou que, na falta de dentifrício, poderíamos usar sabonete (faço isso até hoje);
   Miguel, sabia desenhar aviões;
   Ginga, craque de futebol;
   Renato "Maçã", tinha a letra mais engraçada que já vi, desenhada por traços perfeitos, soltos; o pai era alfaiate na Galeria Ouvidor; morava na rua Tenente Freitas, em Santa Tereza;
   'Tia' Alzira Bittencourt, especial: na primeira chamada, no primeiro dia de aula do 1º ano, ao dizer meu nome, perguntou: "você é parente da Edna Fantini, que foi minha colega?" - a partir daí, até hoje, ganhei o apelido de Fantini (claro que os coleguinhas achavam que estavam bullyndo comigo); foi minha professora também no 4º ano;
   Rogério Papa, sujeito forte, uma vez trouxe do fim de semana um saco escrotal de boi pra sala, um sucesso;
   Ivan, cujo irmão Rosalvo era campeão de kart; tinha uma arma terrível feita com gominha e clipes preparados;
   Evandro, o "Girafa", numa segunda-feira apareceu com a cara toda empolada de espinhas, feridas... havia comido um pote de manteiga na roça;
   Carlos Alberto Ferreira, o "Formigão", mestre no ping-pong, com ele aprendi meu famoso "quebra-costela" que, anos depois, quebrou mesmo as de meu irmão; 
   Rodegardo, também era um dos fortões, tinha alguma relação com roça, interior...;
   Denoel Nicodemus Eller Júnior, cuja pasta foi apelidada de "pasticleta" (em homenagem à engenhoca do seriado nacional "Shazam & Xerife") porque carregava todo tipo de tranqueira útil;
   André Batista, que tocava flauta transversal e tinha um irmãozinho que não largava do travesseiro;
   José Luiz, o "Quinha", bom de bola também, morava na Guanhães, sua casa tinha quintal, como a minha;
   Josiane e Carmelita, cujos corpos chamavam bem nossa atenção;
  Havia um CDF que morava em frente ao Colégio, na Ponte Nova e eu quase afoguei dando-lhe um caldo no Florestinha; um dia apareceu usando uma meia de cada cor (bullyng nele!);
   José Luiz, o "Paulista"; Márcia, uma carioca; Raquel, que gostava de nos ver na aula de Educação Física; Geraldo, rua Pouso Alegre, que sofria bullyng por ter orelhas grandes (quando a Telemig instalou os orelhões na cidade...); Felipe, sujeito afetuoso; Luiz "Sabonete", mórmom; Ibrahim, "Peninha", irmão do Júlio da Rona (inventou uma excursão a Ouro Preto apenas para ficar perto da mocinha que ele queria namorar); Alcione, filha do pastor Júlio, cujo irmão saiu do CBM porque não aceitava ser obrigado a tirar a barba que escondia um leve defeito da boca; 
   e tantos outros, personagens e cenas que se misturam... alguns continuam em contato, amigos que nem citei aqui... amizades eternas...
   Achei meu convite de formatura! Segue a lista dos formandos no pré-primário turma B, de 1967:
Ana Lúcia Nogueira Mancebo, Ana Paula Veloso Branco, Arnaldo Gomes Júnior, Carla Sulamita Firmo do Nascimento, Carlos Rocha Santiago, Clara Lúcia de Almeida Botelho, Cleber Levi Barbosa Alves, Eduardo Costa Ferreira, Elizabeth Maria Amaral, Felipe Ricardo Faria, Fernando Gomes de Paula, Glaúcia Hélida Seraine Teles, Hedio da Silva Perdomo, Heliane Gomes de Azevedo, José Carlos Frois de Souza, José Luiz Cerqueira Lima, José Sampaio Junior, Josué Menezes Patto, Juventino Ribeiro Barros, Leonidas Lannes Rocha (orador), Márcio Coelho Junior, Margareth Souza Xavier, Melody Linda Roth, Miguel Angelo de Leon Tanure, Peterson Cobucci de Abreu, Reinaldo Neves, Ricardo Sérgio Cascardo, Rodegardo de Almeida Botelho, Rogéria Rocha Xavier, Rogério Papa, Rolando Bernucci Filho, Ronaldo Costa Gomes, Ronyr Manso de Lemos Júnior, Rotian Sérgio Barros, Rosemary Cândida Gomes, Sérgio Francisco Cruz Fantini, Valéria Fátima Campras e Waléria Almeida.
  Adriana Borja, Catarina Kolos, Daniel de Castro Carceroni, Mirna Cesário Pereira e Patrícia Helena Lunardi (oradora) eram da turma A.