terça-feira, 27 de junho de 2017

SOBRE A ELEIÇÃO DE 2018

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     Reflexão obrigatória após um ano de governo golpisto.

     Primeiro: ninguém dá um golpe para devolver o poder dois anos depois. Mesmo que se consiga fazer o desmonte e a entrega encomendados, sempre haverá um osso a mais para roer, uma teta para mamar, uma veia para sangrar. Então haverá um casuísmo para que não se realize a eleição, ou teremos uma eleição digna do Bananão, ou seja, de comédia B.

     Segundo: o jogo para se concluir o golpe (quem é Michel Temer para ser o titular!) pode precisar da jogada chamada eleição indireta. (Não me falem mais em constitucionalismo; menos cinismo, por favor.) Que é a indicação do presidente da república pelo congresso. Esse congresso. Que legitimou o golpe. Que dá nojo, se se sente o hálito. Que envergonha qualquer cidadão com mais de três neurônios. Que... não merece mais comentários. Aqueles pulhas (não me venham com “nossos representantes”. Basta checar os patrocínios de campanha, as promessas, os projetos apresentados e os votos dados para ver quem eles realmente representam) vão novamente encher as burras para escolher o presidente.

     Terceiro: então que se façam eleições diretas, já, ou ano que vem, mas diretas.

     Quarto: se for esse o caso, qual candidato? Para mim, aquele que se comprometer com as bandeiras socialistas, ou o mais perto disso com dignidade. “Ah, mas o Lula era assim e depois mudou.” Concordo e ele tem essa dívida comigo, então, Lula não. Que seja outro. Mas se ele se candidatar e defender nossas antigas bandeiras, terá meu voto pela terceira vez (1989 e 2002), com convicção. Por que ele e não outro que também defenda as mesmas bandeiras? Porque ele já sabe como funciona a máquina e, principalmente, já teve muito tempo para errar. Não seria besta de errar de novo.

     Quinto: os erros do PT e do Lula não foram se envolver ou não evitar ou não acabar com a corrupção; foram se afastar do socialismo, das causas populares, da mudança radical do modo de fazer política, da ideologização da vida, da politização da sociedade.


     Sexto: ou então que venha a Revolução. Enquanto os ricos, velhos e novos, conseguirem eleger e depor quem querem, viveremos sempre neste vai-e-vem do Bananão. Era bom se eles sumissem.

terça-feira, 6 de junho de 2017

BELLZEBUUU - um zine à moda antiga

Em agosto (?) do ano passado, eu e Adriane Garcia resolvemos fazer um zine à moda antiga: conceito, A4 dobrado ao meio, xerox, grampo... 

Recolhemos textos de alguns amigos (selecionar, a parte mais difícil...), fizemos o editorial e aceitamos a oferta/fizemos o convite a um artista gráfico -- que não pôde realizar a tarefa de diagramar.

Tempo passou, a água o boi bebeu, Natal se foi com 2016, convidei outro amigo -- que também não fez diagramação.

Tentei fazer isso sozinho, mas há uma imensa incompatibilidade entre mim e a tecnologia. Se minha Olivetti Studio 54 estivesse funcionando, datilografava e tal, mas...

Bueno, como o material é muito bom, resolvemos dá-lo a público através deste blog.

Ei-lo.
Faça bom proveito.

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BELLZEBUUU

outubro novembro abril junho/2017, desde BH/MG, nº zero


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Eu não gosto da igreja
Eu não entro na igreja
Não tenho religião

Não!





(Titãs, in Cabeça Dinossauro)

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“SIGA AQUELA IGREJA!”
Adriane Garcia & Sérgio Fantini

"em nome de deus faz-se o diabo" (LP).

Um fanzine não é uma publicação comercial. É uma reunião de amigos para detonar seu amor. Ou seu ódio.

        "Com o mínimo de conhecimento do cristianismo, ser cristão é uma maldade e defender a Deus, um ato de crueldade com o próximo." (RT)

Fanzines são anacrônicos, mas os dias de hoje estão mais para o passado.

        "E escutes ainda, velha beata, o povo de Braga ficou imbecilizado pelas acções católicas, diabos!" (CJM)

Talvez reinauguremos a Idade Média.

 "Inútil, Senhor, / o Vosso sangue de cordeiro, se a morte é o leão / e a vida, o circo." (MV)

No Brasil, o Estado nunca foi laico, assim como política não é para leigos.

        "– Quero ver onde essa objetividade das tuas informações vai parar quando meu pai chegar com uns amigos parrudos do Frota." (ES)

Em nossas cédulas, a Casa da Moeda imprime, ad aeternum: “Deus seja louvado”.

"o senhor habitará na minha casca" (CM)

Hoje vemos a religião associada ao crime, lavagem de dinheiro, extorsão, afora os expedientes imorais de convencimento para a conversão, que necessitam da miséria, da tragédia, da esperança jamais realizada, da educação não para formar o cidadão, mas para formar a ovelha.

        "Jesus nunca amou / as criancinhas." (ST)

Há um plano claro das igrejas neopentecostais de tomar o poder político em nosso país.

"Esse plano de dominação evangélica não é cristão, mas demoníaco." (TS)

 Entre proibições de pesquisas de células-tronco e a intromissão da religião em assuntos que dizem respeito aos corpos individuais, a misoginia, a homofobia, a intolerância como lei.

        "Insisti e perguntei de que adiantaria a revelação e a descoberta, se tudo iria acabar. Deram-me outra revista, dessa vez com pessoas brancas, asiáticas, jacarés e macacos." (RL)

Triste ruído: o silêncio dos templos é sepulcral.

"Viado clerical? Existe disso?" (MH)

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Diário de Braga
Caio Junqueira Maciel, Braga/Portugal

(...) Mas o bêbado berrava que um personagem de Eça de Queirós estava certo ao dizer que Jerusalém era pior do que Braga, “mas Braga, sacristia imensa, não fica muito atrás de Jerusalém!”. D. Tília  recorre ao latim e brada: “Insignia fidelis et antiqua Bachara! Nós demos um papa ao mundo! Nós abastecemos a Igreja Católica com 24 santos!” 

O bêbado continua seu berreiro, bem debaixo de minha janela, e retruca pra d. Tília: “Braga inflacionou o céu com tanto santo! Em menos de um século, 15 arcebispos viraram santos aqui! O único santo que vale a pena é o Santo Antônio dos Esquecidos! Mas aqui, os lembrados são os figurões! Só faltou canonizarem a Dama do Drago!”. 

D. Tília não suporta o bêbado, e vocifera: “Cala essa boca repugnante, ó Grainha dos mil demônios! Não toque no nome dessa diaba de Dama do Drago, que trouxe indecências para as nossas procissões!” Ah, o bêbado se chama Grainha, gostei dele, pois ainda que chumbadão, com muita veemência ia desmoronando a Sé de Braga com palavras ora imponentes ora cabeludas, chamando os arcebispos de milhafres clericais e flibusteiros da cruz. 

Escutei bem quando ele afirmou, trocando as pernas mas sem perder o prumo verborrágico: 

“A única coisa que presta nas procissões são os farricocos, com suas véstias negras, com suas pupilas a luzir nas sinistras cógulas! Eles assumem pelo viés cômico o lado ku klux klan da igreja! E escutes ainda, velha beata, o povo de Braga ficou imbecilizado pelas acções católicas, diabos! Até as mulheres daqui são preladas e não ficam peladas! Abaixo a prepotência da igreja! Que raios partam o Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo da peste!” (...)

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Carlos Moreira, Porto Velho / Guaporé

o senhor é meu pastor
não me faltará capim
ainda que eu caminhe
pelo vale do silício
seja de silêncio minha fala
e me retalhe o falo e a alma
faz-me repasto de vermes
guia-me para dentro da tempestade
minha dor é seu consolo
unge minha cabeça com fogo
para que a treva se reconheça
e o cálice da ira se aqueça
o senhor habitará na minha casca
por toda a eternidade
nada O fartará.

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Os primórdios da escola sem partido
Ernani Ssó, Porto Alegre/RS

Sei que ao chamar crentes em geral de gentalha, vão dizer que estou sendo desrespeitoso. Deixe eu esclarecer um detalhe: os crentes, como pessoas, têm todo o meu respeito; como intelectuais, nenhum. Se eles não percebem a diferença entre essas posturas, me parece que estou diante de mais uma prova de que tenho razão.

     – A Terra gira em torno do Sol.
     
     – Como é que é? Todo mundo tá careca de saber: é o Sol e os planetas que giram em torno da Terra. Nós somos o centro do universo. Por que Deus nos criaria à sua imagem e semelhança se não fosse assim?

     – Olha, a Terra gira em torno do Sol – ela e os planetas. Mais: nem nosso sistema solar está no centro da galáxia, sem falar que nossa galáxia é só uma entre bilhões. Isso são fatos. Quanto a Deus ter criado assim ou assado é assunto pra você resolver com Ele, diretamente, ou com os teólogos, que espremem os miolos pra fazer a realidade caber dentro de suas convicções.

  – Você só tem de informar objetivamente os conhecimentos. Não tem que bagunçar o que meu pai e minha mãe disseram que eu devo pensar e achar do mundo.

     – Pra variar, estou dando informações objetivas. Não estou discutindo impressões.

     – Quero ver onde essa objetividade das tuas informações vai parar quando meu pai chegar com uns amigos parrudos do Frota.

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Visitantes
Ricardo Laf, Belo Horizonte/MG

            Tem cerca de dois meses que me mudei de modo definitivo do lugar onde vivi durante praticamente toda a vida. Assim que me estabeleci, tocaram a campainha, em cinco ocasiões, uma senhora e um senhor que se apresentaram como Testemunhas de Jeová. Em quatro circunstâncias não pude escutar o que tinham a dizer e pedi desculpas por isso.

            Há duas semanas, o mesmo casal, com revistas que têm na capa girafas, tigres, hipopótamos, ornitorrincos, zebras, cachoeiras e pessoas brancas felizes interagindo com essa natureza paradisíaca, perguntou-me porque estava com resistência em recebê-los. Disse que não havia resistência alguma quanto a isso e a impossibilidade real era não poder conversar naqueles momentos. Chamei-os para entrar, tomar um café e prosear. Mostraram-me aquela mesma revista e perguntaram se estava preparado para o fim do mundo. Imaginei que, para perguntarem, eles estavam preparados, então reproduzi a mesma pergunta a eles e com olhos espantados me disseram que Deus prepararia tudo. Tomei a liberdade de emendar a pergunta que se Deus prepararia tudo, porque deveria estar preparado sendo tão insignificante diante de Deus. Olharam um para o outro e me disseram que estava a caminho da revelação e da descoberta. Insisti e perguntei de que adiantaria a revelação e a descoberta, se tudo iria acabar. 

               Deram-me outra revista, dessa vez com pessoas brancas, asiáticas, jacarés e macacos. Virei a primeira página e logo havia um texto descrevendo que o fim já está acontecendo.

               Reiterei ao casal sobre o desconforto de continuar a ler a revista se o fim já está acontecendo, inclusive durante a leitura dela. Disseram-me que há mistérios que só Deus entende. Poxa, se só Deus entende, por que vieram justamente aqui tratar com um merda terreno que procura apenas andar por aí tateando precariamente isso que chamam de vida?

                  O café ficou frio. Nunca mais voltaram.

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Líria Porto, Araxá/MG

fanáticos
em nome de deus faz-se o diabo
guerras violência assassinatos

lavagem cerebral
bater bater bater – malhar em ferro
forjar verdades com a matéria
da enganação

nua e crua
para se vestir a mentira
com a pele da verdade
(a mentira é balofa
as verdades são murchas)
faz-se necessário
esticar a malha
(deformar o que é justo)

pastoreio
ora uma coisa ora outra
orações subordinadas
ao pagamento
                   do dízimo
compra-se o paraíso – o inferno
é de graça

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Discurso para deputado evangélico
Manoel Herzog, Santos/SP

O pastor no Estado de Pernambuco
Em discurso forte e nada prolixo
Defende com empenho o crucifixo
E promete mandar meter trabuco

No cu de quem se atreva. Banca o truco:
"Viado clerical? Existe disso?
Enfie o que quiser no cu, se é fixo,
Melhor gozar com cu que ser eunuco,

Mas não meta Jesus neste enxovalho,
Cambada de viado salafrário!
Senão eu chamo o Bispo Rodovalho,

Chamo o Conte Lopes e o Bolsonaro,
Chamo o exército, a polícia e o caralho,
E o vosso cu varado em bala eu varo!"

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Salmo da luta inútil
Micheliny Verunschk, São Paulo/SP

Inútil, Senhor,
o Vosso sangue de cordeiro, se a morte é o leão
e a vida, o circo.
Todos os dias
rumam para a prancha
os que vão morrer e não sabem.
Inútil, Senhor,
esta dor crucificada
se nada Vos arranca
desses pregos nas igrejas,
se as Vossas mãos furadas
não conseguem deter balas,
se uma ferida brota
na Vossa palma feito um terço.
Vã é esta luta, Senhor Morto, se a morte é o leite,
o acidente que bebemos,
se nos lançamos aos bandos tal crianças tontas,
ratos que se encantam pela música da arena.
Vã é esta luta, Senhor Morto,
se ao menos Vós, só Vós escapásseis vivo, mas este é o nosso picadeiro
e o ingresso jamais é devolvido.

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Escolhendo Satanás
Rodrigo Teixeira, Belo Horizonte/MG

(...) No fim, os inimigos do cristianismo, os inimigos de Deus, são os demônios e os demonizados. Candomblés, pagãos, homens e mulheres que têm controle sobre a própria sexualidade, pessoas que lutam por uma liberdade estética e que, por isso, estão “fugindo” do amor de Deus. E isso é que faz de alguém uma figura satânica e satanista, ser apaixonado pelas manifestações das outras culturas, pela diversidade de identidades que foram se tornando demoníacas pela mão da religião cristã.

Logo, não me importo se o Deus “essencial” está ou não nos aguardando e é adorado nos corações de todos que querem fazer o bem e serem justos. Mas sou um inimigo ferrenho desse outro Deus, que tem poderes políticos e que organiza as populações em chacinas e ordens de preconceito. Esse Deus que nega direitos, que nega verdades, que impossibilita a vida feliz e sem culpa.

Esse conceito mesquinho de Deus, patriarcal, racista, homofóbico, neoliberal e consumista, que é o conceito oficial, defendido por todas as vertentes cristãs me transformou no satanista que eu orgulhosamente sou.

Escolhi Satanás porque, com o mínimo de conhecimento da história, ser cristão é uma ação antiética. Com o mínimo de conhecimento do cristianismo, ser cristão é uma maldade e defender a Deus, um ato de crueldade com o próximo. E, culturalmente, ser satanista é o mesmo que respeitar profundamente uma pluralidade de experiências religiosas que os seguidores de Javé nos negam e escondem do máximo de pessoas que podem.

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Tadeu Sarmento, Belo Horizonte/MG

Quando, diante de Pilatos, Jesus se negou a afirmar que era Rei de Roma, confessando, ao contrário, que seu reino não era desse mundo, queria dizer alguma coisa. Ou quando expulsou os mercadores do templo, gritando: “A César o que é de César”, também. Ora, tudo o que é Estado é de César, de modo que Jesus quis dar um recado às gerações futuras: “não quero uma bancada evangélica para legislar sobre um reino que não me pertence, #prontofalei”. A ética cristã é pessoal, e quando se desdobra em direção ao outro é só para aceitá-lo, nunca para atirar a primeira pedra. Nunca importou a Jesus a orientação sexual de alguém, o avanço da ciência ou a legalização do aborto. Para os neuróticos que desejam dar pitaco na vida alheia, além de um bom jato d’água que os acalme, poderíamos jogar com o seguinte argumento: Jesus disse “vinde a mim todos os que estão cansados” e não colocou nota de rodapé para excetuar nenhum grupo. Jesus era legal, era inclusivo. Quem quis tornar o cristianismo religião oficial do Estado foi Paulo, que não tinha nada a ver com Cristo (ele sequer o conheceu pessoalmente, droga) e detestava mulheres. Mas não Jesus, que gostava de estar na companhia de mulheres, crianças, mendigos, epiléticos e aloprados em geral. Esse plano de dominação evangélica não é cristão, mas demoníaco. A teologia da prosperidade promete ao crente as mesmas coisas que Satã prometeu (com muito mais charme) a Jesus durante as tentações do deserto: emprego, casa própria com piscina e land rover.

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Vinde a mim
Simone Teodoro, Belo Horizonte/MG

Jesus não amou
as criancinhas

Não se esqueçam
dos meninos de Belém

Decapitados
para que ele se safasse

Ainda hoje
Jesus não ama
as criancinhas

O clamor de Ramá
transborda
dos estômagos vazios.

Raquel chora e se lamenta para sempre
Oh Jeremias

Seus filhos
ainda existem
Dentro do osso
Irmanado à pele.

Jesus nunca me amou
Hóstia não matou a minha fome

Como fui enganada!

Aos sete
Era só a merenda da escola

Aos dez
um desmaio em pleno verão

Aos doze
restos de ração de cachorro
e sopa de verdes abacates

Eu também não amei Jesus
Sou vingativa

Temia os grossos
Pregos em seus pulsos

E o pano de chão
que escondia sua nudez

Amei um cão
Amei um gato
Uma árvore, alguns ladrilhos

Uma pedra me amou melhor
do que Jesus

Jesus nunca amou
as criancinhas.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

LUIS GIFFONI

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     Conheci Luis Giffoni em 1990, apresentado pelo Francisco de Morais Mendes, se não me confunde a memória. Ele já havia lançado livros e vencido prêmios. Àquela época, saiu O ovo de Ádax, que eu profetizei como potencial best-seller. Meus dons, como minha memória, são falhos. Mas foi o romance que selou nossa amizade. De lá pra cá, tive o privilégio de ler quase todos os seus originais, um lucro para mim, que aprendi muito de literatura com isso.
     
     No início deste mês, entre cervejas e conselhos mútuos sobre preservação de saúde (só de amizade são quase trinta anos), por algum motivo que nos escapou, listei seus títulos meus preferidos. Que são:
     
O ovo de Ádax, principalmente por nos mostrar que nunca seremos best-sellers (estamos mais para Peter Sellers, panteras cor-de-rosa num mercado surrealista);
     A árvores dos ossos, pela maestria no domínio da linguagem;
     O pastor das sombras, pela eficaz utilização da pesquisa histórica e pela linguagem criativa;
     Os relatos de viagens. Giffoni é um globe trotter que tem a generosidade de compartilhar suas experiências, sempre adornadas pela ágil mão do ficcionista e calcadas em sua experiência de vida.


     Todos os livros do Giffoni me marcaram de alguma forma: o acidente inicial em Tinta de sangue, um ar de melancolia em Adágio para o silêncio, o atentado em A verdade tem olhos verdes, a experiência psicodélica com as telas de Pollock de Infinito em pó... 


     Este é um romancista strictu sensu, um contador de longas histórias, um criador de personagens e situações como os grandes escritores são. E é o que ele é.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

BAH, DOM, TECA, BIANCA E TIL

BAH, DOM, TECA, BIANCA E TIL


abril de 2016

     Descrição do cenário: a rua Onísio, onde moro. Manhã de domingo. Como em todos os dias, movimento nenhum. Paz de subúrbio. Do outro lado da rua, minha irmã Amélia conversa com sô Sílvio, nosso vizinho. Estacionado em frente à nossa casa, há dias, o caminhão do sô Josias, ex-vizinho.
Ação: coleira do Dom na mão esquerda, uso a outra para abrir o portão. Saímos e enquanto me viro para puxar o portão, Dom vê Amélia. Decide que é uma boa hora para correr e fazer-lhe festa.
     Câmeras subjetivas: como eu ainda estava com o tronco virado para o portão, não havia visto minha irmã e meu vizinho; porque a Onísio tem apenas um quarteirão e é fechada no alto e somos apenas uma dúzia de moradores, o movimento de automóveis é quase nulo; por isso nunca me preocupei em segurar com força a coleira; porque havia o caminhão estacionado, o motorista que entrara por engano na rua e retornava não pôde ver o Dom correndo para a outra calçada; apesar de ser novinho, Dom era um labrador SRD muito forte.

     A gente foi ao Mercado Central orçar uma churrasqueira. Paramos para ver os animais à venda. Uma daschunda chamou minha atenção. O vendedor, espertamente, logo a colocou nos meus braços. Quando pensei que não é correto comprar animais, ela me deu uma lambida no rosto, com gosto. Impossível não levar para casa. A Bah viveu 10 anos comigo.
(O Mercado Central de Belo Horizonte/MG ainda permite a comercialização de animais. É um absurdo que deve ser combatido.)
     Iniciamos o processo de mudança para a Onísio, em fins de 2008. Casa com quintal grande o bastante para que ela pudesse viver melhor. Infelizmente um tumor  não permitiu que ela conhecesse a casa nova. Assim que possível, adotei o Dom numa feirinha, com o apoio da Adriana Torres Ferreira, Mila Rodrigues e Fernanda Spigolon. Amor  à primeira vista, tinha 2 meses e viveu quase 2 anos antes de ser atropelado na porta de casa.

     Passado o luto, eu e Amélia buscamos outra adoção, desta vez na ONG Cãoviver. Foi fácil ver que aquela mocinha triste naquele box protegido da chuva viria morar na Onísio. Era outubro de 2015 e a Teca está sendo uma linda, como os bichos sempre são.

     Outro domingo: voltando do passeio, ouço um choro bem fraco, aqui na frente de casa. Ponho Teca para dentro e vou ver quem me chama. Era a Bianca (ainda sem nome), tão fraca que nem conseguia ficar de pé. Me senti honrado em poder seguir o bom exemplo de tantas pessoas que já resgataram animais em situação de risco. Na segunda-feira a levamos à ONG Bichos Gerais onde foi atendida pela Danielle Castro Ardison. Na sexta, o nosso veterinário Rafael do Nascimento. examinou a Bianca. Naquele dia precisei viajar e deixei-a sob os cuidados do Robson de Melo Pereira. Fui com o pensamento bem gelado: se ela não reagir até minha volta, será sacrificada. No sábado ele me enviou o vídeo dos primeiros passos da bonitinha. Agora ela já está ganhando umas carnes, corre e brinca o tempo todo com a Teca. Como são da mesma idade, acho que terão muito o que fazer nos próximos 15 anos.


     Nasci na rua Álvares de Azevedo, no bairro Colégio Batista. Na nossa casa sempre teve o Til, um SRD vermelho, me informa minha memória. Não lembro de ser especialmente amigo dele. Minha mãe o alimentava com angu (restos de comida misturados com fubá) e eu muitas vezes era quem lhe dava comida. Um dia ele fugiu. Para me reconfortar, me explicaram que os cães gostam tanto de seus donos que quando sentem que vão morrer, eles dão um jeito de fugir. O Til devia ser velho. Eu já não sou tão jovem. Bah, Dom, Teca e Bianca são sempre o Til da minha infância.
Teca e Bianca

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

BALANÇO DE 2016

   


     O ano começou com a ameaça de concretização do golpe de direita sobre a democracia. 

     Logo após o Carnaval, fui transferido para o Centro Cultural Liberalino Alves de Oliveira, que funciona no Mercado da Lagoinha. Depois de tantos anos trabalhando na sede da Fundação de Cultura, pensando a cidade, tive a oportunidade de trabalhar na ponta. Foi uma experiência excelente, ainda mais que a equipe é ótima. Porém, havia o tempo todo a possibilidade de ir para o Centro Cultural Nordeste, mais perto da minha casa, e isso dificultou meu envolvimento integral.

     Em 19 de março fiz o primeiro lançamento do Lambe-lambe (Jovens Escribas), no bar Patuscada, em São Paulo. No dia seguinte, na Casa Amarela, em São Miguel Paulista. Depois vieram BH, João Pessoa e Natal. Em agosto já tínhamos vendido os primeiros trezentos exemplares da edição.


     A editora realizou seu 5º Ação Leitura em maio. Nesta passagem por Natal, fiz mesa numa faculdade e sarau numa escola com Marcelino Freire, bate-papo em outra escola e mesa com Pablo Capistrano, MF e Xico Sá no Espaço Duas. Esta noite foi especialmente emocionante, pois estava sendo concretizado o golpe e todas as falas foram a favor da democracia.

     Em outubro terminei a primeira versão do romance que havia começado em dezembro do ano passado. Um tempo recorde para mim, mas resultado de um trabalho que cumpriu as metas a que se propôs. Claro que o texto ainda precisa ser profundamente revisado. Neste momento, aguardo a segunda e a terceira leituras críticas.

    Novembro foi a vez de voltar a São Paulo para participar da Balada Literária. Fui com a quase firme decisão de não aceitar mais convites para mesas e atividades afins. São boas, como foi esta ao lado de Ferréz, Wilson Freire e Sheyla Smaniotto, mas aprendi que prefiro realizar atividades mais concretas, mais produtivas, como oficinas de escrita e de leitura.

     Com dezembro veio finalmente a mudança para a Usina de Cultura - Centro Cultural Nordeste. Dia 1º estava lá pintando chão, carregando móveis e livros, ajudando na montagem da biblioteca, enfim, tendo a chance de, aos 32 anos de casa, participar da criação de um centro cultural. Estamos abertos há apenas duas semanas, portanto há muito o que fazer ainda.

     Este mês trouxe também uma novidade: o primeiro estudo de cunho acadêmico sobre minha obra literária. Ana Elisa Ribeiro e Rafael Carvalho publicaram um artigo muito bom na revista da PUC-MG.

     Um resumo de 2016 pode ser:
a) lancei um livro, com ótima repercussão, e finalizei outro;
b) o Brasil sofreu um golpe de direita e isso afetou o meu emocional fortemente;
c) continuei fazendo todas as coisas de que gosto, inclusive no trabalho na prefeitura;
d) obtive um aprendizado, na prática, que me permitirá produzir ainda mais em 2017.





































quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DIÁRIO DA BALADA LITERÁRIA 2016

Fui para São Paulo dia 25/11 participar da Balada Literária a convite do Marcelino Freire.

Antes, já no Centro Cultural Itaú, me encontrei com Fernando Bonassi e Elvira Vigna e Roberto. Marçal Aquino também apareceu para o café. Às 17h subi para meu compromisso, mesa com Ferréz, Sheyla Smaniotto, mediada por Wilson Freire e participação d poeta Thiago Cervan.

A conversa foi boa. Tive a oportunidade de dizer em público o que sempre digo nas oficinas que dou e entre amigos: há muita gente publicando poemas sem o mínimo trabalho de linguagem; qualquer “achado” se transforma em “poesia” e poetas surgem do nada a todo instante, trazendo nadas na bagagem. Da plateia, Nelson Maca replicou, mas já não havia tempo para a tréplica. Antes de me despedir, anunciei o lançamento, para breve, do zine antirreligioso "Bellzebuuu", editado por mim e Adriane Garcia.

Viajei com a fraca determinação de não aceitar mais convites para mesas com tema e público gerais. Apesar do prazer que tenho quase sempre, estou com uma forte impressão de futilidade. Gosto de conversar com outros escritores, amigos ou não, mas este tipo de evento começa a me dar uma sensação de vazio e perda de tempo. Prefiro sair de casa para trabalhar – com jovens escritores, professores e estudantes, por exemplo.

Após a mesa fomos lanchar, ótima noite com Fernanda, assessora de imprensa da editora Jovens Escribas, Bruno e Mozart Brum, Carlos Fialho, Patrício Júnior e Luiz Roberto Guedes.

Sábado, às 11h, fui ver a mesa do Renato Negrão, Nelson Maca, Miróe Ernesto Dabó, da Guiné-Bissau, mas tive que sair aos trinta minutos para encontrar Marçal. Sentamos num bar de calçada na região da estação Ana Rosa, a velha sempre renovada prosa sobre literatura e vida.

Às 15h voltei pra Paulista, fui com Guedes almoçar uma omelete na Brigadeiro. Fizemos uma resenha da sexta e trocamos mais impressões sobre nossos trabalhos atuais.

Após descansar no hotel, às 19h reencontrei o Guedes; fomos juntos para o Estúdio Lâmina, onde ocorreram duas mesas simultaneamente (funcionou bem): Fernanda D’Umbra mediou para Jorge Filholini, Aline Bei e Marina Filizola; Vanderley Mendonça e Gabriel Kolyniak conversaram com Cláudio Willer, Gustavo Benini e Roberto Bicelli. Em seguida uma bela (um pouco longa, na minha opinião) performance da Sofia Freire (teclado e voz). A “Ocupação Jovens Escribas” foi a apresentação e venda de nossos livros e um papo rápido de cada um com Marcelino, aproveitando a plateia do show mais esperado (por mim) da noite: a banda de blues e rock Fábrica de Animais, com a Fernanda D’Umbra. Bella notte, como sempre diz o Guedão, muitos amigos antigos, muita gente nova, ambiente de boas vibrações.


São Paulo nunca decepciona.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O IRRECONHECIDO ANTONIO BARRETO

   


     Antes de conhecer Antonio Barreto pessoalmente, ele já era uma referência literária para mim: amigos citavam seu nome e recitavam seus versos; sua fama de vencedor de prêmios era notícia. Não ficamos amigos de imediato, mas não deve ter demorado muito, pois frequentávamos os mesmos eventos e tínhamos muitos amigos em comum.
     Apesar da intimidade, ele sempre foi também o autor de obras que a gente admira à distância, e fica tentando descobrir "o truque".
     Barreto já publicou de tudo: infantis, infantojuvenis, adultos; poesia, conto, romance, crônica... Em todos os gêneros foi reconhecido através de prêmios, recomendações de instituições, vendas e crítica.
     Com toda essa bagagem (ao lado de seus conterrâneos, foi o editor de Protótipo, talvez a primeira revista marginal do país), se você procurar nas "colunas sociais" da literatura brasileira, não verá seu nome.
     Noite dessas, em uma de nossas reuniões quintaneiras, junto a outros companheiros de copo e lida, perguntei a ele qual a resposta a esse mistério. Tivemos um bom debate, mas não chegamos a lugar nenhum.
     Por mim, tudo bem, tenho cá minha teoria, que vale pra Barreto e outra meia dúzia de excelentes escritores que não flanam pelas festas e salões dos bailes literários nacionais: a postura pessoal não favorece.
        Pode ser timidez, pode ser ética de resistência, pode ser qualquer outro item de nível pessoal. Esses escritores têm qualquer coisa que os impede de estar nas listas, nas colunas, nas caras. Não são melhores que os outros, por isso. São assim. Os outros não são piores por participarem da sistema. 
     O que me chama a atenção é que parece até uma marca, mas talvez não passe de coincidência: alta qualidade literária aliada a certas posturas pessoais mantêm reclusos alguns dos melhores escritores brasileiros. Em alguns casos, como o de Barreto, não perde o público, porque seus livros circulam à farta; perde o sistema por não contar com sua presença mais vezes junto a seu público.