quinta-feira, 31 de maio de 2012

SUBVERSIVAS: LIÇÕES

  
O Pedro Olivotto teve a ideia, lançou na mesa e nós topamos na hora: exibição de curtas nas manhãs de sábado, antecedidas por poemas ao vivo, no Belas Artes. A estreia seria já no sábado seguinte, com Subversivas, um documentário sobre "mulheres ligadas à luta contra a ditadura" (foi o que registrei). Durante a semana reli meu exemplar de Inventário de cicatrizes, do Alex Polari de Alverga.
   (Parênteses: planejei contar a história deste meu exemplar antes de ler o poema: em 1978 (circa), numa manifestação na Afonso Pena (greve dos professores? provavelmente), dona Helena Greco estava à frente de um grupo que, inclusive, vendia materiais para arrecadação de fundos; querendo contribuir (eu tinha uns 17 anos), comprei o que permitiam minhas moedas e me interessava de imediato: um livro de poesia.)
  Separei um poema, ensaiei e achei que sua leitura ficaria boa no contexto. Sábado, não vi o Pedro, não conhecia as pessoas que estavam no Belas para a sessão, mas, claro, fiquei para ver o filme - sem a poesia como abertura.
   O filme. Subversivas é formado pelo depoimento de cinco mulheres que lutaram contra a ditadura militar em Belo Horizonte, ou a partir de. São elas Teresa Angelo, Gilse Cosenza, Thereza Vidigal, Angela Pezzuti e Delsy Gonçalves. Isso por si só poderia ser, a despeito da importância do assunto, enfadonho, se fosse apenas panfletário, mas não é. As diretoras Fernanda Vidigal e Janaina Patrocínio tiveram sensibilidade e inteligência (e humor) para seccionar os depoimentos, gravados nas casas das protagonistas, e alinhavá-los de forma a que o espectador nem de longe perceba a passagem do tempo.
  Saímos com a convicção de que o filme era um produto cultural que deveria ter mesmo sido produzido e que agora deve circular de forma intensiva; que deveria constar das aulas de História; que será um prazer rever essas mulheres contando suas histórias para nos lembrarmos que as lutas continuam. 
   Em todos os planos, em todos os campos.

Ficha completa (da produção):
Subversivas é um documentário que investiga o período da ditadura militar no Brasil sob a ótica feminina. Teresa Angelo, Gilse Cosenza, Thereza Vidigal, Angela Pezzuti e Delsy Gonçalves participaram cada uma a seu modo, da resistência ao regime militar no país. 
A memória das mulheres entrevistadas traz à tona os fatos que marcaram aquela época e a vida de cada uma. Os depoimentos também revelam que a luta pela liberdade e pela democracia estava presente não somente nas ações políticas, mas também nas relações pessoais e familiares, no trabalho, no cotidiano aparentemente simples, mas imbuído de uma crença e de uma busca por um país justo e livre.
Um filme de Fernanda Vidigal e Janaina Patrocínio
Com: Teresa Angelo, Gilse Cosenza, Thereza Vidigal, Angela Pezzuti e Delsy Gonçalves.
Co-direção de entrevistas: Silvia Godinho
Pesquisa: Isabel Leite
Imagens de Arquivo Super-8: Zenilton Patrocínio
Programação Visual: PopCorn
Formato HD/100minutos.

terça-feira, 29 de maio de 2012

BRILHO? O TRABALHO!



   Dia desses, uma amiga com quem não me encontrava há muitos meses pois estava morando em Natal/RN, me disse, em tom de elogio: "Tenho visto você na mídia, sempre brilhando."
   Não disse, mas pensei: "Brilhando? Estou é trabalhando. Fazendo o que gosto, o que acho que devo fazer e que, eventualmente, por necessidade de divulgação ou por mérito, sai nas páginas.
   Brilho é o que vejo nos olhos das pessoas quando uma oficina de leitura ou de escrita tem um bom rendimento; quando leio um poema ou um conto e acontece a troca perfeita; quando, no meio de uma conversa, séria que seja, conseguimos sacar uma boa piada - e aí brilhamos até as lágrimas."
  Fora isso, amiga, amigos, o que há é trabalho. 
  Como o que acontece esta quarta 30 de maio, às 19h, no SESC Palladium: eu e Bruno Brum vamos nos divertir lendo poemas e contos, cantando e exibindo vídeos, conversando com as pessoas que forem até lá sobre o que mais gostamos de fazer: literatura

O TEXTO E A VOZ DE ELVIRA

   
   Sempre ouvi alguém dizer que, lendo texto meu, "me ouvia falando". Gostava disso, sem maiores entendimentos. Até que me dei conta, em 2008, após lançar "A ponto de explodir", num insight: o que acontece é que quando escrevo, reproduzo minha fala; mais que isso: falo ensaiando o que mais tarde vou escrever.
   Gostei de concluir isso. Nada mudou na escrita e, claro, muito menos na fala. (Seria engraçado, eu acharia muito engraçado, ficar preparando meu texto antes de falar, no dia a dia, já antevendo o texto escrito no futuro conto, por exemplo.)
   Lendo agora o primeiro capítulo de O que deu para fazer em matéria de história de amor, de Elvira Vigna, percebi que eu estava ouvindo sua voz (ela esteve há pouco em BH, falou num seminário). Gostei disso também. Foi divertido, uma experiência de intimidade, como se a ouvisse enquanto escrevia. Não me lembro de ter passado por isso mesmo com autores dos quais privo intimidade. Previ que a leitura do romance seria ainda mais interessante com isso.
   Mas no segundo capítulo, e do terceiro em diante, a conexão caiu, foi-se a magia. Elvira escreve (também neste livro) de um modo que me envolve, me mantém ligado no texto, sua construção (nada explícita, nada fácil); um ritmo próprio; um uso irônico dos clichês; metalinguagem a serviço da narrativa; personagens que surgem aos poucos, sem retratos falados.
   Ainda não posso dizer do enredo, não cheguei na metade do volume, mas intuo que é uma história de adiamento.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

DO ESPÍRITO SANTO, PROSA DE ALTÍSSIMA QUALIDADE

 
  Sou leitor fã declarado de Reinaldo Santos Neves. Um grande escritor que, claro, nunca será conhecido além do círculo de iniciados que têm a sorte de acessar seus livros. Da primeira vez em que nos encontramos, há alguns anos (uma tarde num bar de praia... Guarapari?), ele me presenteou com O Capitão do Fim, de seu irmão Luiz Guilherme. Pequena e muito, muito boa novela.
   Ótima literatura engendrada para contar a história do primeiro donatário da capitania que veio a gerar o estado do Espírito Santo, Vasco Fernandes. Não faço ideia se as histórias, deliciosas, que formam a biografia narrada, são verdadeiras. Li como ficção porque é ela que me interessa. A História aos estudantes; para mim, histórias. E quando vêm embaladas com um texto de altíssimo teor, ah, que prazer!
   
   Luiz Guilherme, nos informa a edição que tenho, de 2001, é também historiador, tendo publicado vários livros de contos, crônicas, romances e paradidáticos. Pelo títulos, todos relativos ao seu estado natal. Mas o que me importa mais, sempre, é o texto e, com este, Luiz Guilherme faz o que quer. Mantém em rédea curta um clima colonial, pela construção de frases e uso seguro de termos para as coisas de época; tem poesia e humor, nas doses certas, erotismo, violência e crítica social.
    Vou emprestar já meu exemplar para Luís Giffoni, que tem parentesco com este Capitão através do seu O Pastor das Sombras, outra novela indispensável na prateleira de cima da literatura brasileira.

   Mais informações sobre Luiz Guilherme, aqui:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/c/capitao_do_fim
http://www.tertuliacapixaba.com.br/biografia/bio_luiz_guilhermesn.htm
http://paixaocapixaba.com.br/?p=4035

segunda-feira, 21 de maio de 2012

DUAS POETAS NOVAS


 Hoje li dois livros de estreia de duas poetas: Cínthya Verri e Sinhá, Constantina (edith) e Devolva meu lado de dentro (Jovens Escribas). Gostei muito dos dois. 
   Ambas têm excelente domínio da língua, do ritmo, de quebras; imagens fortes, consistência (o famoso algo a dizer) principalmente no tema relação romântica. Nada se derrama, nada sobra - palavras ou sentimentos. É fácil notar que houve trabalho, lapidação, leitura de poesia. Os versos são curtos, os poemas são curtos e a poesia é longa, é grande. Memórias de infância, o estar na cidade grande, o outro - que só será compreendido pelo lapidar poético.
   Dois poemas, para me fazer mais claro:


EXIGÊNCIA


não podia
me esconder desajeitada
ser a cabra-cega
tropeçar em si
rodopiar a seda solta
pelo pátio


não dei vexame na infância
sem chance para ser desatenta.
(Cínthya)


................


s/título


quem não sente dor
dilacera língua
perde dedos
e dentes
fica em pedaços
anestesiado
num corpo-nada.


quero minha dor.
(Sinhá)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O ESCRITOR ENQUANTO ESTÁTUA VIVA

   
 A cidade de Passos/MG realizou sua primeira feira literária neste maio chuvoso. A verba para isso veio de parte do orçamento do Carnaval. O encerramento da Flipassos foi um desfile na manhã do dia 14 ("Cultivando leitores, protagonistas de sua história"), abrindo os festejos de aniversário da cidade, 154 anos: 47 instituições, escolas em sua maioria (mais de duas mil pessoas), se organizaram para homenagear a literatura e a leitura através de escritores. Desfilamos junto aos estudantes, que nas últimas semanas conheceram melhor nossos livros e um pouco de nossas biografias. Durante algumas horas, os escritores foram os protagonistas de uma história que estamos escrevendo, nos livros e na vida. O povo de Passos estava nas ruas, sob chuva, para participar da festa. 
   Foi um dos grandes momentos deste jogo que me colocou em campo há mais de 30 anos.

   Há alguns dias, alguns camaradas levantaram a hipótese de se reivindicar a construção de novas estátuas de alguns de nossos ídolos literários, como já foi feito com Drummond, Sabino etc. Alguns dias depois, ao saber que seus conterrâneos iriam erguer uma estátua sua, o cantor Gustavo Lima, cuja obra desconheço, agradeceu, mas sugeriu que o dinheiro público fosse usado em saúde, educação e cultura, que assim seria melhor utilizado.
  Eu repito o que disse a meus camaradas: quero que a literatura e o trabalho dos que lidam com ela sejam reconhecidos e respeitados enquanto estamos vivos, e isso vale para os que virão depois de nós.

terça-feira, 8 de maio de 2012

MANUAL DE ESCRITA


 Em sua coluna desta semana no www.coletiva.net, o escritor e tradutor Ernani Ssó conta: "Nos meus tempos de editor, felizmente curtos, me entregaram o romance de um político. Eu devia deixar o texto o mais aceitável possível. Lembro de uma cena, que começava mais ou menos assim: “O dia começou a entrar no portal da noite, passo a passo sumindo nas sombras inexoráveis”. Isso continuava por mais umas sessenta linhas. Fiz um xis sobre o parágrafo e anotei: “Anoiteceu”. O autor, ao se deparar com minha sugestão, estrilou: “Pô, mas assim você me fode o estilo”".
   Eu sempre rio com essas histórias do Ssó. Ele é um leitor atento. Tem um livro (já não sei como se chama, mas é uma seleção de centenas de trechos literários, entrevistas e depoimentos relacionados à escrita), infelizmente ainda inédito. Quando publicado, poderá ser mantido ao lado  dos volumes de consulta dos escritores. Será útil também nas oficinas de criação literária. Funciona como um manual de escrita, se lido com cuidado. Opiniões de todos os tipos sobre vários dos assuntos que envolvem o ofício; autores de épocas e calibres variados alinhavados com humor e refinada inteligência. Vejam alguns títulos de capítulos:
 PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO
            Poucos conselhos sérios. Estatística contrária. Grana de menos, livros demais
POR QUE VOCÊ ESCREVE, ESCRITOR?
            Busca, vício, prazer. Obra desprezível 
O QUE VOCÊ PRECISA PARA ESCREVER, ALÉM DE TER O QUE DIZER?
            Caneta, máquina, computador. Morar num bordel. Cadeira ou cama? Passar fome. Experiência, observação, imaginação
CRIMES E MULHERES NUAS
            Ilegibilidade, chatice, prolixidade e mulheres inteiramente nuas
Adequação de linguagem
INSTRUÇÕES PARA USO DA TESOURA
            Comentários, explicações, ação, síntese. Cortar e cortar e cortar
VINTE ROUNDS
            Domínio técnico. Escrever porcaria dá o mesmo trabalho. Revisar, reescrever
SOPA DE LETRINHAS
            Escrever, ler. Pensar ou não no leitor. Reler. O significado do gato e a leitura obrigatória
O CASO MAIS SÉRIO
            Humor, leveza, entretenimento. O gênero mais difícil. Comédia e tragédia. Sexo e humor. A ética do riso
ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM
            Por que é mais difícil escrever pra crianças. Livros censurados. O fascínio dos contos de fada. O elogio da alface.
 ENTRE A PÁGINA E A TELA
            Cinema e literatura, romance e roteiro. Influências, diferenças, adaptações.
O NOME IMPRESSO
            Pressa de publicar. Amadurecer. Passar do ponto
NOSSO SÓCIO QUERIDO
            O editor, claro.
ACADEMIA, AÍ VOU EU!, DISSE O CALVIN
            Doutores em letras. A linguagem, o obscuridade, a boçalidade. Vazio mental
COLEGUINHAS
            Literatura é religião? O talento dos outros, a mediocridade dos outros, o ego dos outros. Tapinhas no ombro, fama, prêmios
O SEGREDO DO SUCESSO
            Juro, não é o capítulo mais importante