sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

BALANÇO DE 2016

   


     O ano começou com a ameaça de concretização do golpe de direita sobre a democracia. 

     Logo após o Carnaval, fui transferido para o Centro Cultural Liberalino Alves de Oliveira, que funciona no Mercado da Lagoinha. Depois de tantos anos trabalhando na sede da Fundação de Cultura, pensando a cidade, tive a oportunidade de trabalhar na ponta. Foi uma experiência excelente, ainda mais que a equipe é ótima. Porém, havia o tempo todo a possibilidade de ir para o Centro Cultural Nordeste, mais perto da minha casa, e isso dificultou meu envolvimento integral.

     Em 19 de março fiz o primeiro lançamento do Lambe-lambe (Jovens Escribas), no bar Patuscada, em São Paulo. No dia seguinte, na Casa Amarela, em São Miguel Paulista. Depois vieram BH, João Pessoa e Natal. Em agosto já tínhamos vendido os primeiros trezentos exemplares da edição.


     A editora realizou seu 5º Ação Leitura em maio. Nesta passagem por Natal, fiz mesa numa faculdade e sarau numa escola com Marcelino Freire, bate-papo em outra escola e mesa com Pablo Capistrano, MF e Xico Sá no Espaço Duas. Esta noite foi especialmente emocionante, pois estava sendo concretizado o golpe e todas as falas foram a favor da democracia.

     Em outubro terminei a primeira versão do romance que havia começado em dezembro do ano passado. Um tempo recorde para mim, mas resultado de um trabalho que cumpriu as metas a que se propôs. Claro que o texto ainda precisa ser profundamente revisado. Neste momento, aguardo a segunda e a terceira leituras críticas.

    Novembro foi a vez de voltar a São Paulo para participar da Balada Literária. Fui com a quase firme decisão de não aceitar mais convites para mesas e atividades afins. São boas, como foi esta ao lado de Ferréz, Wilson Freire e Sheyla Smaniotto, mas aprendi que prefiro realizar atividades mais concretas, mais produtivas, como oficinas de escrita e de leitura.

     Com dezembro veio finalmente a mudança para a Usina de Cultura - Centro Cultural Nordeste. Dia 1º estava lá pintando chão, carregando móveis e livros, ajudando na montagem da biblioteca, enfim, tendo a chance de, aos 32 anos de casa, participar da criação de um centro cultural. Estamos abertos há apenas duas semanas, portanto há muito o que fazer ainda.

     Este mês trouxe também uma novidade: o primeiro estudo de cunho acadêmico sobre minha obra literária. Ana Elisa Ribeiro e Rafael Carvalho publicaram um artigo muito bom na revista da PUC-MG.

     Um resumo de 2016 pode ser:
a) lancei um livro, com ótima repercussão, e finalizei outro;
b) o Brasil sofreu um golpe de direita e isso afetou o meu emocional fortemente;
c) continuei fazendo todas as coisas de que gosto, inclusive no trabalho na prefeitura;
d) obtive um aprendizado, na prática, que me permitirá produzir ainda mais em 2017.





































quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DIÁRIO DA BALADA LITERÁRIA 2016

Fui para São Paulo dia 25/11 participar da Balada Literária a convite do Marcelino Freire.

Antes, já no Centro Cultural Itaú, me encontrei com Fernando Bonassi e Elvira Vigna e Roberto. Marçal Aquino também apareceu para o café. Às 17h subi para meu compromisso, mesa com Ferréz, Sheyla Smaniotto, mediada por Wilson Freire e participação d poeta Thiago Cervan.

A conversa foi boa. Tive a oportunidade de dizer em público o que sempre digo nas oficinas que dou e entre amigos: há muita gente publicando poemas sem o mínimo trabalho de linguagem; qualquer “achado” se transforma em “poesia” e poetas surgem do nada a todo instante, trazendo nadas na bagagem. Da plateia, Nelson Maca replicou, mas já não havia tempo para a tréplica. Antes de me despedir, anunciei o lançamento, para breve, do zine antirreligioso "Bellzebuuu", editado por mim e Adriane Garcia.

Viajei com a fraca determinação de não aceitar mais convites para mesas com tema e público gerais. Apesar do prazer que tenho quase sempre, estou com uma forte impressão de futilidade. Gosto de conversar com outros escritores, amigos ou não, mas este tipo de evento começa a me dar uma sensação de vazio e perda de tempo. Prefiro sair de casa para trabalhar – com jovens escritores, professores e estudantes, por exemplo.

Após a mesa fomos lanchar, ótima noite com Fernanda, assessora de imprensa da editora Jovens Escribas, Bruno e Mozart Brum, Carlos Fialho, Patrício Júnior e Luiz Roberto Guedes.

Sábado, às 11h, fui ver a mesa do Renato Negrão, Nelson Maca, Miróe Ernesto Dabó, da Guiné-Bissau, mas tive que sair aos trinta minutos para encontrar Marçal. Sentamos num bar de calçada na região da estação Ana Rosa, a velha sempre renovada prosa sobre literatura e vida.

Às 15h voltei pra Paulista, fui com Guedes almoçar uma omelete na Brigadeiro. Fizemos uma resenha da sexta e trocamos mais impressões sobre nossos trabalhos atuais.

Após descansar no hotel, às 19h reencontrei o Guedes; fomos juntos para o Estúdio Lâmina, onde ocorreram duas mesas simultaneamente (funcionou bem): Fernanda D’Umbra mediou para Jorge Filholini, Aline Bei e Marina Filizola; Vanderley Mendonça e Gabriel Kolyniak conversaram com Cláudio Willer, Gustavo Benini e Roberto Bicelli. Em seguida uma bela (um pouco longa, na minha opinião) performance da Sofia Freire (teclado e voz). A “Ocupação Jovens Escribas” foi a apresentação e venda de nossos livros e um papo rápido de cada um com Marcelino, aproveitando a plateia do show mais esperado (por mim) da noite: a banda de blues e rock Fábrica de Animais, com a Fernanda D’Umbra. Bella notte, como sempre diz o Guedão, muitos amigos antigos, muita gente nova, ambiente de boas vibrações.


São Paulo nunca decepciona.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O IRRECONHECIDO ANTONIO BARRETO

   


     Antes de conhecer Antonio Barreto pessoalmente, ele já era uma referência literária para mim: amigos citavam seu nome e recitavam seus versos; sua fama de vencedor de prêmios era notícia. Não ficamos amigos de imediato, mas não deve ter demorado muito, pois frequentávamos os mesmos eventos e tínhamos muitos amigos em comum.
     Apesar da intimidade, ele sempre foi também o autor de obras que a gente admira à distância, e fica tentando descobrir "o truque".
     Barreto já publicou de tudo: infantis, infantojuvenis, adultos; poesia, conto, romance, crônica... Em todos os gêneros foi reconhecido através de prêmios, recomendações de instituições, vendas e crítica.
     Com toda essa bagagem (ao lado de seus conterrâneos, foi o editor de Protótipo, talvez a primeira revista marginal do país), se você procurar nas "colunas sociais" da literatura brasileira, não verá seu nome.
     Noite dessas, em uma de nossas reuniões quintaneiras, junto a outros companheiros de copo e lida, perguntei a ele qual a resposta a esse mistério. Tivemos um bom debate, mas não chegamos a lugar nenhum.
     Por mim, tudo bem, tenho cá minha teoria, que vale pra Barreto e outra meia dúzia de excelentes escritores que não flanam pelas festas e salões dos bailes literários nacionais: a postura pessoal não favorece.
        Pode ser timidez, pode ser ética de resistência, pode ser qualquer outro item de nível pessoal. Esses escritores têm qualquer coisa que os impede de estar nas listas, nas colunas, nas caras. Não são melhores que os outros, por isso. São assim. Os outros não são piores por participarem da sistema. 
     O que me chama a atenção é que parece até uma marca, mas talvez não passe de coincidência: alta qualidade literária aliada a certas posturas pessoais mantêm reclusos alguns dos melhores escritores brasileiros. Em alguns casos, como o de Barreto, não perde o público, porque seus livros circulam à farta; perde o sistema por não contar com sua presença mais vezes junto a seu público.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

João Caetano Nascimento comenta "Lambe-lambe".

DA MINHA LEITURA DO LIVRO "LAMBE LAMBE" DE Sérgio Fantini

Um veterano fotógrafo, amigo meu, disse certa vez que a fotografia revela aquilo que a gente olha e não vê. Me lembrei da frase, à medida que avançava na leitura do livro “Lambe Lambe”, do escritor mineiro Sérgio Fantini. A ideia desse livro, segundo o autor, surgiu a partir das manifestações de 2013. Tudo começou com um movimento contrao aumento das tarifas de ônibus e metrô em São Paulo e, num rastilho de pólvora, explodiu em todo o país. Multidões ganharam as ruas, mostrando facetas interessantes e também inquietantes.

Fantini busca no livro ver e entender as muitas faces que se espalham na cidade, com o que elas trazem de dor, desespero, sofrimento e sonho. As histórias, ou fotografias, nuas e cruas desse cotidiano se passam em Belo Horizonte, mas poderiam estar situadas em qualquer uma de nossas cidades grandes ou médias. São cinquenta narrativas curtas, densas, duras.
Para compor esses retratos, Fantini se mostrou um experiente artesão da palavra. Essas curtas histórias não são fotografias naturalistas, ao contrário, através da linguagem trabalhada, o autor desnuda e descarna essa realidade, faz um raio x da nossa sociedade, marcada por um alto grau de violência, que, de tão presente em nosso dia-a-dia, nem sempre nos damos conta. 


Vemos a crueza de uma sociedade injusta, autoritária, preconceituosa, pronta a ignorar ou esmagar o mais frágil, sem piedade. No entanto, observamos também as diferentes formas, muitas delas desorganizadas, de resistência do humano em situações totalmente desagregadoras. Um exemplo disso, entre outros, é a narrativa “Ratos”, um choque, momento forte de um livro contundente.
Todas as histórias começam sempre por: “São esses..., São essas...”. E assim, aos poucos, temos diante de nós um mosaico das grandes cidades, com seus imigrantes, mendigos, cães, gatos e ratos, desempregados, garçons, barbeiros, carroceiros, favelados, jovens, velhos, velhas, jornalistas, motoristas. Gente que esbarramos nas ruas, esquinas, bares e becos, sem perceber. Mas o lambe lambe com sua lente arguta nos desafia a olhar e ver. E essa é uma lição dolorosa: encarar a realidade, com o que ela tem de horror e barbárie. 


O escritor não procura pairar acima do bem e do mal, como um ser supremo. Ele toma posição, tem lado. E creio está do lado certo da margem do rio. Fantini suja-se na poeira e na merda das ruas, põe as mãos nas feridas, sofre com o sofrimento humano. Sem, entretanto, cair no panfletário ou fazer proselitismo. É antes de tudo um artista. Mantém-se fiel ao compromisso com a palavra, coma literatura e com o sentido e a significação mais profunda da escrita.
Isso faz de “Lambe Lambe” um livro importante, original, forte e dolorido como um murro no estômago. Fere, desconcerta, inquieta, mas nos dá uma áspera, cortante, renitente e amarga esperança.


Cada narrativa é precedida por ilustrações de Guga Schultze que nos apresenta uma série de personagens ácidos, satíricos, complementando a contundência das histórias.
Por isso, recomendo: leiam com urgência o “Lambe Lambe”.

POSFÁCIO DE LUIZ RUFFATO



Carta ao leitor

Caríssimo (a),

agora que terminou de ler o livro, permita-me compartilhar duas ou três ideias a respeito de Sergio Fantini, um autor que, apegado a alguns inegociáveis princípios éticos, insiste admiravelmente em trilhar caminhos cada vez mais desprezados por seus contemporâneos.
Enquanto todos os escritores e candidatos a escritor sonham assinalar o nome nos catálogos das grandes editoras, acreditando iludidos que isso lhes trará prestígio e visibilidade, Fantini sempre optou por lançar seus títulos por pequenas casas independentes, como a Jovens Escribas, ou até mesmo por selos de fantasia de edições inexistentes. Mas, ao contrário de boa parte de seus colegas que, após falhar ao tentar serem aceitos pelo mercado editorial, acabam se autopublicando no afã quase exclusivo de alimentar pequenas vaidades, Fantini mantém-se à margem visando apenas garantir a sua total liberdade de criação.
         Liberdade de criação significa para ele não se dobrar aos ditames do momento, mas deixar-se guiar pela necessidade vital de propor reflexões sobre seu tempo. Nesse sentido, remando contra as ondas que trazem à praia centenas de depoimentos pessoais enfeitados como narrativas inventadas a chamada autoficção –, Fantini permanece fiel à realidade imediata, não mimetizando-a como um naturalista que caça borboletas para catalogá-las e expô-las em quadros inanimados, mas como artista que recolhe resíduos dos dias e os transforma em fragmentos de vida. Pois, acima de tudo, Fantini sabe que é a linguagem que permite o salto transcendental que configura a verdadeira literatura.
         O escritor Sergio Fantini nasceu no final da década de 1970 vendendo de mão em mão seus livrinhos de poesia. Desde meados da década de 1980, ele vem construindo sem alarde e sem pressa uma obra ficcional, pequena mas devastadora, constituída de contos breves e longos (a que outros chamam novela): Diz Xis, Materiaes, A ponto de explodir, Novella... E agora este Lambe-lambe, espécie de síntese e ultrapassagem de sua trajetória, tanto do ponto de vista formal quanto de conteúdo.
Estruturalmente, Fantini nos oferece aqui não contos breves ou longos, mas uma narrativa extensa composta por peças curtas que podem ser lidas e entendidas como unidades autônomas, mas que, tomadas no conjunto, ganham em densidade e compreensão. Tematicamente, aprofunda o seu interesse pelos personagens invisíveis que povoam a sociedade, iluminando os cantos obscuros por onde transitam. Se, até então, surgiam aprisionados em suas histórias individuais, trágicas quase sempre, agora irrompem anônimos como coadjuvantes de um destino comum: não mais rostos identificáveis, mas corpos esvaziados de subjetividade.
Todos os capítulos iniciam-se com a frase “São esses” ou “São essas”, para em seguida descrever uma infinidade de personagens que enxameiam os espaços públicos, milhares, milhões de seres despossuídos de tudo, preocupados apenas com a própria sobrevivência. A repetição continuada da fórmula em textos de tamanho padrão, como o bate-estaca no terreno de um edifício em construção, reencena a monotonia de existências sem biografia, de homens, mulheres e crianças que caminham anônimos para uma morte inglória.
Fantini traça um retrato sem retoque da sociedade contemporânea não à toa seu narrador apresenta-se como fotógrafo. Por meio de um olhar às vezes compassivo, às vezes irônico, às vezes cínico, passeamos pelos meandros de um surpreendente zoológico, onde, desesperançados, movidos unicamente pela necessidade de atender nossos instintos básicos, experimentamos a estranha sensação de sermos ao mesmo tempo o sujeito observador e o objeto observado.
Nesse lugar, situado na periferia do mundo, onde imperam a hipocrisia e a mediocridade, perdemos a noção do humano: importa não o que você é ou quer ser, mas o que você tem ou deseja ter. O embate entre essência e aparência é explicitado, com ácido humor, nas vinhetas que pontuam a narrativa: concisos três por quatro satíricos, que prefiguram por instantes uma caricatura um zoom na multidão para flagrar a expressão aleatória, mas emblemática, de um obscuro personagem.
Com rara competência, Fantini nos descortina o mundo cinza que recusamos ver, o panóptico em que estamos enjaulados. Por isso, ocupa lugar ímpar no cenário da literatura brasileira contemporânea.


Luiz Ruffato

segunda-feira, 25 de abril de 2016

MARTA LEANDRO REGISTRA "LAMBE-LAMBE"

A fotógrafa Marta Leandro fez uma paráfrase de um dos textos do meu livro "Lambe-lambe".
Para mim, uma grande honra, pois significa uma interlocução de altíssimo nível com uma leitora.

Lambe lambe

(...)

São esses fotógrafos e fotógrafas para os quais suas câmeras são “o caderno de esboços, um instrumento da intuição e da espontaneidade, o mestre do instante que, em termos visuais, ao mesmo tempo questiona e decide”.

São esses fotógrafos e fotógrafas que pensam que “para “significar” o mundo é preciso sentir-se implicado naquilo que se recorta através do visor. Essa atitude exige concentração, sensibilidade, um senso de geometria. É por uma economia de meios e, principalmente, um esquecimento de si que se chega à simplicidade de expressão.” 

São esses fotógrafos e fotógrafas para os quais “fotografar é prender o fôlego quando todas as nossas faculdades convergem para captar a realidade fugidia; é aí então que a apreensão de uma imagem é uma grande alegria física e intelectual.”

São esses fotógrafos e fotógrafas para os quais “fotografar é num mesmo instante, e numa fração de segundo, reconhecer um fato e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente que exprimem e significam esse fato. É pôr na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. É um modo de viver”.

São esses fotógrafos e fotógrafas que, como eu, veem beleza em tudo, porque desconfiam que em tudo está contido o belo, e seu desafio é fazê-lo se revelar; 

São esses fotógrafos e fotógrafas que, por saber que fotografar é escrever com a luz, tem por missão encontrar a  luz que anima cada ser - e que os torna únicos e belos -  e escrever com ela uma história. 

Minha missão na fotografia, e na vida, é a busca incessante da luz.

Inspirado no texto "Fotógrafos", do livro, "Lambe, lambe", de Sérgio Fantini. Ed. Jovens Escribas, 2016.

Entre aspas: Henri Cartier-Bresson, em "O imaginário como ele é", Clair, Jean. II. Cosac Naify, 2011

sexta-feira, 22 de abril de 2016

RONALDO SIMÕES COELHO SOBRE "LAMBE-LAMBE"

Caro FAntini: fiquei apaixonado pelo seu livro. Nao consegui parar de ler e reler essa obra prima da nossa literatura, esse espelho da realidade que nos cerca e que nao vemos. Um estudante de SPaulo se vestiu de gari e defendeu a tese dele baeado nessa experiencia. Nenhum colega, nem professor o reconheceu, apesar de passarem por ele muitas vezes. Seu olhar é fascinanta, mas aliado a seu modo de escreve (quase poética) me comeveram demais. 
Nasci e vivi anos no contrario, pois minha casa era de todo mundo, desde o Zé Pretinhao (que era branco) como o Zé Branquinho (que era preto), muito amigos desde que nasceram. Ou como a sá Leonidia, que rachava lenha com o machadoi com que tinha matado o marido, nos crianças ao lado dela e das madeiras, ouvindo o tempo todo ela falando sozinha (nota: SÓ VIM A DESCOBRIR O QUE ERA QUANDO, JÁ MEDICO, PUDE VER QUE ELA COMIA TODOS OS COGUMELOS DOS TRONCOS QUE FERIA COM A MESMA GANA COM QUE TINHA PARTIDO O CÉREBRO DO MARIDO, QUE BATIA NELA E A MALTRATAVA). 
acho que seu livro deve ter um segundo volume, pois SÃO ELES muitos. 
Meus parabens, obrigado. Abraços e parabens. R.

LAÉRCIO JOSÉ PEREIRA SOBRE "LAMBE-LAMBE"

TREINANDO O OLHAR E A PERCEPÇÃO
Sou especialista em equipamentos fotográficos, já consertei de tudo, das Hasselblads às Zenzas Bronicas, das Kodak xeretas aos obturadores Synchro-Compur dos lambe lambes. Entender o processo não me fez fotógrafo, fazer alguns cursinhos básicos também não. Em um desses cursinhos o palestrante da Fuji perguntou, “Qual é o melhor fotógrafo do Brasil?”, ninguém respondeu, ele disse, “O melhor fotógrafo do Brasil é o que tem casa na zona sul, dois carros importados, apartamento em Cabo Frio, e faz viagens internacionais”. Eu questionei: —Esse não é o melhor, é o de sucesso, o melhor está longe dessa descrição — Ele me deu razão, mas acrescentou: “Arte não dá dinheiro, Laércio”.
Como fotógrafo eu nunca fiz sucesso e nem ganhei dinheiro, mas também nunca segui modismos.
Acabei me transformando em orientador para uso de equipamentos do tipo: Saiba conseguir o melhor do seu equipamento. Isso não é ser professor de fotografia, mas inclui noção da fotografia básica. Quando os alunos, sempre particulares, querem mais eu sempre dou a mesma dica: A boa fotografia é feita com as aulas, mas é principalmente uma exteriorização de todos os livros que você lê, de todas as galerias que você visitar, de todos os filmes que você assistir. Deem uma boa olhada no site http://www.bhumafotopordia.com/ do Charles Tôrres e você entenderá o que estou dizendo.
Por pensar assim que indico a leitura de boas crônicas, sendo simplista porque a literatura é muito mais que isso, a crônica é um retrato, é um instantâneo. Dentre tantos bons, dois grandes autores contemporâneos são o Sérgio Fantini e a Ana Elisa Ribeiro. O novo livro do Fantini, LAMBE LAMBE, faz uma homenagem aos fotógrafos profissionais do parque municipal. Todos os textos são como fotografias bem feitas da sociedade, cruas e nuas. Eu indico para os estudantes desta arte que querem fazer a diferença. Indico para os profissionais que creem erroneamente que o equipamento é o mais importante. Fotografia bonitinha é fácil, é só colocar a câmera no automático e apertar o botão. Contar uma história não é tão fácil, é preciso treinar o olhar e a percepção.
Laércio José Pereira

ADRIANE GARCIA SOBRE "LAMBE-LAMBE"

A fotografia despudorada de Sérgio Fantini ou os olhos da empatia

 Por Adriane Garcia

    Passo pela cidade, minha cidade, tão feinha Belo Horizonte por onde passo. Lá onde veste seu melhor vestido, vou vez em quando, vou para lazer. No “todo dia”, percorro o que é para ficar no escuro.
    Há livros que não mudam nada, há livros mudos. Há livros que nos mudam, verdadeiros incômodos a cutucar verdades guardadinhas. E há livros que mudam a forma como olhamos as coisas. E isso é irremediável.
    Agora não tem mais jeito, abri este livro de fotografias. Este lambe-lambe não contente em lançar seu flash de magnésio pela sua própria vida, fez o favor de publicar suas impudências. Lançou luz sobre o escuro e não parei mais de ver a mendigaria, os moradores de rua, os gatos no parque, os camelôs e sua algazarra, os favelados, os hippies vendendo suas bugigangas e expondo essas diferenças do que somos, os meus preconceitos e os meus pós-conceitos flagrados.
    Nunca mais passar pelo Parque Municipal apenas passando, agora é ver os velhos, a sua solidão, os bancos sempre ocupados e essa vontade de gritar que quero me sentar na grama porque não aguento mais esse mundo imundo. Agora é olhar para o passado e me lembrar de minha mãe empregada doméstica, tão incômoda e tão necessária na casa dos patrões. Mamãe mulata, linda, jovem, passando por cima de assédios para não perder emprego e mudando móveis de lugar na ingenuidade amável de quem pensa que está agradando.
    Minha cidade que se droga para ver, que se droga para não ver. Os carroceiros de minha infância, os cavalos que comovem todas as crianças, pois nenhuma criança jamais entendeu a violência contra os cavalos. Agora saio pensando na violência contra os carroceiros, sua vida de açoite, essa transferência de quando as metáforas estão materializadas, quando sou interrompida pela inércia calculada dos jogadores de dama da praça 7 de Setembro. Quando um grito de um pastor evangélico quer sobrepor toda identidade. Cidade louca. Eu penso: independência ou morte.
    Valei-me. Continuo o álbum e vejo: que nunca entrei numa barbearia. Sempre as olhei de fora com muita curiosidade, as suas cadeiras-máquinas-do-tempo. E este cachorro na porta, fotografado pelo lambe-lambe, eu posso jurar que já o vi.
    É pela manhã que saio todos os dias, transporte público, esses motoristas que trabalham seis viagens sem parada, que almoçam em 15 minutos, que fazem suas necessidades fisiológicas em banheiros fétidos que as empresas de ônibus não se dão ao trabalho de mandar limpar. Digo a eles bom dia porque sei que não é fácil. Muitos respondem, surpresos que alguém ainda os veja. Agora é assim.
    Saio clicando com a lente do lambe-lambe, a cidade vai mudando aos pouquinhos e ainda carregando um tanto do que foi há 117 anos. Há 300, quando ainda era um arraial, mas trazia tantos pés descalços. Ao menos o amor mudou. Eu também já achei estranho as duas meninas se beijando publicamente. Como seria uma cidade que se beijasse?
    Nas páginas entre os contos, encontrei esses 3×4, amarelando. Anônimos que se tornam especiais apenas ali, na lateral da máquina-caixote de fotografia. Estão chegando na rodoviária, vêm tentar uma nova vida nesta Belo Horizonte, acreditam na promessa deste nome. E agora, iluminada por quem não tem medo de lamber o vidro, de verificar qual lado da chapa é doce e qual é o amargo, talvez eles possam se localizar.
    Passei a andar com este livro. Vou e volto para casa. Sim, eu encontro o caminho.
A verdadeira literatura é a que nos mostra o quanto estamos perdidos.

AKIRA YAMASAKI SOBRE "LAMBE-LAMBE"

fantini
eu nunca tinha ouvido falar no Sérgio Fantini até que
no ano passado ele veio com erre amaral, germano
quaresma e adriane garcia para um evento na casa
de farinha e casa amarela, denominado caravana
holliday, que foi um grande sucesso e mobilizou boa
parte da comunidade artística/cultural de são miguel
paulista.
acabei ficando neste dia com dois livros do fantini
que entraram na fila de espera para serem lidos, eu
confesso que sou um leitor muito preguiçoso mesmo
e se uma leitura não pega no tranco acabo deixando
de lado para uma outra ocasião, quando certa noite
comecei a folhear com displicência o "novella" para
esperar o sono chegar e fui fisgado para sempre
por suas novellas, tanto que saí para trabalhar no
dia seguinte sem dormir por minuto sequer, dizendo
para mim mesmo que esse cara não é tudo isso não.
sou um cara que não sei analisar um livro, conteúdo,
formatos, escolas, influências, essas coisas, a única
coisa que sei é gostar ou não gostar de um livro, não
me perguntem porquê. o que sei é que algum tempo
depois li o "a ponto de explodir" e vi o fenômeno se
repetir como num vídeo-tape da leitura do "novella" e
só consegui desgrudar do livro quando terminei a
ultima narrativa, mas continuei a não dar o braço a
torcer, esse cara não é tudo isso não.
hoje comecei a ler "lambe-lambe", lançado na casa
amarela no mês passado, já li cerca de cinco ou
seis contos e estou tão impressionado com este livro,
deslumbrado, eu diria, com este espantoso painel
de rostos anônimos que ganham vidas e histórias
nestes contos tipo jabs curtos e contundentes, que
interrompi a leitura para fazer esta postagem e para
dizer que dou o braço a torcer: sérgio fantini é tudo
isso sim é mais que tudo isso é um grande mestre é
um escritor da raberuânica estirpe dos baitas.
akira - 02/04/2016.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

QUEM É QUEM NO MEU LAMBE-LAMBE



   Para mim, fazer um livro deve ser algo mais que satisfazer a vaidade de exibir meus textos. Preciso ter a mínima convicção de que ele é um produto cultural que valha o papel e o tempo que serão investidos para sua produção e leitura. 
   Com este Lambe-lambe não foi diferente. 
   A principal iniciativa é procurar envolver pessoas, entre a primeira ideia e o lançamento do livro.
   Me permitam nomear quem está dentro deste:

Vera Lúcia Vieira: este projeto vem de 2013 (mais à frente vou publicar um texto(*) em que conto detalhadamente essa história). Nesta época, a convivência com Vera me permitiu clarear vários pontos que sempre são meio obscuros nesses momentos. Nossas conversas, mas principalmente sua visão humanitária das mazelas sociais e políticas me indicaram o caminho a seguir para chegar ao tom que eu precisava para escrever este livro.

Carlos Fialho: quando percebi que tinha um projeto que daria em livro, consultei-o sobre o interesse da Jovens Escribas. Pela quarta vez ele abriu as portas da editora para mim, o que me deu ânimo para o investimento.

Primeira versão pronta, chega a hora dos leitores críticos. São aqueles amigos que abrem algumas horas em suas agendas para ler nossos originais e apontar nossas falhas. Obviamente não será deles a responsabilidade pelos defeitos que persistirem na obra editada: a teimosia e a necessidade de manter cacoetes e vícios são exclusividade minha.
Francisco de Morais Mendes: vimos trocando essas machadadas (ou a "liquidação do lápis vermelho") há uns 25 anos. Eu seria um escritor pior se não tivesse tido seu olhar arguto sobre meus originais. Desta vez, me alertou para algumas questões ideológicas, em especial.
Marcelo Carota: fez uma leitura mais geral, sem se prender a detalhes de escrita, o que, vindo dele, foi importante, pois destacou os aspectos "marginalidade e invisibilidade".
Ana Elisa Ribeiro: além se destacar ruídos de escrita, se envolveu com o conteúdo, alguns personagens, o que confirmou minha tentativa de ser um livro com uma pegada mais emocional, em parte.
Rosângela Lima: além de apontar a visibilidade que dei aos personagens urbanos, nossas conversas me fizeram chegar à forma final de fazer as ilustrações acompanharem cada texto. (A princípio, havia pensado em colocar todas as minibios no final.)
Ernani Ssó: desde que nos conhecemos, temos trocado também essas leituras recíprocas. Ele é capaz de perceber que eu queria ter feito algo que não está no texto. E mais uma vez complementou o que eu lhe apresentei, além de apontar problemas.
Adriane Garcia: amiga nova, poeta de excelência, intelectual refinada, imensa interlocutora para literatura, recebeu os originais após essas cinco leituras. Ela tem uma crítica muito parecida com a minha, e conhece bem meu trabalho. A intensidade de sua leitura trouxe revelações que me levaram a reescrever muita coisa já dada como pronta.
Marçal Aquino: sua principal contribuição foi me fazer desistir do posfácio(*). Sua reflexão me fez ver que ele sobraria em todos os sentidos na edição. Com isso, acabei convidando...

Luiz Ruffato: ao pensar em quem poderia se adequar ao projeto e fazer a apresentação, seu nome surgiu logo como o mais acertado: todos que o conhecem sabem que ele faz questão de lembrar suas origens humildes, "filho do pipoqueiro, e do segundo pipoqueiro, o que ficava à porta do cinema menos importante de Cataguazes" (cito de memória). Além de nossa amizade, antiga, Ruffato também faz o questionamento do gênero literário, o que está problematizado neste Lambe.

Guga Schultze: quando decidi que os textos teriam desenhos (e não fotografias ou montagens ou...), seu nome foi o primeiro que me ocorreu: além de ser fã do trabalho dele há muitos anos, já tinha sido meu parceiro na capa do A ponto de explodir, em 2014.

Danilo Medeiros: o designer da editora Jovens Escribas é já parceiro meu: sua competência, seu profissionalismo, sua boa vontade em discutir minhas ideias gráficas e sua paciência com minhas revisões de última hora me deixaram confiante, como sempre, de que as coisas ficariam melhores do que eu poderia imaginar.

   Realizar lançamentos é outra etapa importante, porque é festa, primeiro; porque é a primeira oportunidade de fazer uma venda substancial. Há autores que não sujam os dedos para falar dela, mas nós que vivemos no mundo real, sabemos o quanto ela é importante. É aqui que a editora ou o autor consegue reaver parte de seu investimento. Depois disso, vamos todos correr atrás de novas oportunidades de divulgar o livro. 
   Por isso é preciso cuidar do lançamento. Por enquanto, agendamos três: 
Eduardo Lacerda: editor da Patuá e agitador do bar Patuscada, em São Paulo. Me oferece um bar, ótimo lugar para festas, e toca uma uma editora que está na mesmíssima luta da Jovens Escribas. Dia 19/03.
Akira Yamasaki: um dos coordenadores da Casa Amarela. Vou como convidado do Sarau. Há um grupo de poetas, músicos, artistas plásticos, fotógrafos e outros amantes e militantes da cultura que se reúnem em São Miguel Paulista, bairro da zona leste de São Paulo. Sua luta e sua paixão me conquistaram em 2015. Foi a primeira referência para batizar a temporada deste projeto. Dia 20/03.
Fernanda Rocha Abou Abdallah e Eduardo Pimentel: O jovem casal, proprietário do Feijão Restaurante, onde eu almocei nos últimos meses. Meus jovens novos amigos apostaram em fazer uma grande festa para o Lambe, em Belo Horizonte, cidade modelo para o livro. Dia 02/04.