sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

BALANÇO DE 2012


   
    Mais um ano que me fez dançar, claro, muito suíngue, pés na pista e fora dela, pronto para mais um. Para não me esquecer e servir de inspiração aos amigos.
   A saúde está ótima: fiz vários exames e me mantive em movimento; completei dois anos sem fumar (engordei um pouco); bebi menos; estou em ordem.
   Família, amigos, colegas de trabalhos, tudo na paz.
   Fundação Municipal de Cultura: dei várias oficinas, participei da rotina do departamento, fizemos um excelente Seminário Beagalê, fui ao Conversas ao pé da página, em São Paulo (incluiu grande noitada com amigos) e ganhei de Natal uma transferência provisória para a Infantil e Juvenil, onde poderei aprender mais algumas coisas sobre bibliotecas.
   Coletivo 21: mantivemos as reuniões, estamos com três antologias para lançar em 2013, nossa primeira foi aprovada no PNBE e lançamos a Adolescência e Cia, pela Miguilim. Vimos também a volta do Prêmio "Cidade de Belo Horizonte", fruto de nossa campanha junto a dezenas de profissionais de todo o Brasil.
   Além das oficinas da FMC, fiz revisões literárias de originais, realizei as duas semestrais no Letras e Ponto e uma de vinte horas em Poços de Caldas/MG para auxiliares de biblioteca, bibliotecários e professores. Aliás, participei de vários eventos, como palestrante e mediador, em BH, Betim, Diamantina, Passos e Frei Lagonegro/MG. Três eventos especiais: O poeta contra a parede, espetáculo com meu amigo e parceiro Bruno Brum, Ofício da palavra, com os queridos José Eduardo Gonçalves e Francisco de Morais Mendes (cujo livro foi finalista do Jabuti - outra alegria: vários amigos premiados e destacados com seus trabalhos) e o júri da Bienal dos Piores Poemas.
   Viagens a trabalho são também de passeio, mas a volta à Itália foi pura curtição. Três semanas batendo perna, revendo amigos, conhecendo novos locais, como a maravilhosa Siena e novas pessoas, como a paranaense Marina Sartori e o brasilinista romano Giovanni Ricciardi.
   Fui pouco ao cinema, vi muito seriado bom na tevê, li o bastante (não, sempre falta alguma coisa) desenhei e escrevi. Estas croniquetas do blog têm me dado muito prazer; finalizei um novo conjunto de contos, NOVELLA e revisei o A ponto de explodir - ambos saem em maio pela Jovens Escribas (a pequena editora mais legal do Brasil). E ainda não chegou em casa, mas saiu no México 90-00, Cuentos  Brasileños Contemporáneos, da qual participo com Silas, Viejo.
   Para apenas doze meses, até que me diverti bastante.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

POR ONDE ANDOU ZECA BALEIRO



   Ouvindo mais uma vez o ótimo O disco do ano, do Zeca Baleiro, me lembro de uma das primeiras vezes em que ele veio se apresentar em BH. Eu coordenava o projeto Sexta Sintonia, pela Secretaria de Cultura de BH (foram sete anos, toda sexta, dois shows de música no pátio do Centro Cultural UFMG, imensa parceria ao lado da Irene e do Malagute, entre outros colegas, público médio de 500 pessoas). A amiga Rossanna Decelso, conectada com o que estava acontecendo de melhor, principalmente em São Paulo, me deu ótimas dicas. Uma foi o Zeca. (Antes: era preciso ouvir fitas K7 dos candidatos; um amigo, à época na SMC, ao ouvir a do ZB, opinou, com desdém: "letras muito longas, voz de Fábio Jr." - virou lenda entre nós, depois que ele ficou famoso.)
   Isso antes de lançar Por onde andará Stephen Fry?. Para tirar uma onda, me pediu que entrasse em cena com ele, como se ele fosse um cantador cego, tocando uma sanfoninha... As pessoas demoraram um pouco a sacar que era brincadeira.
  Outra lembrança relacionada a ele: estávamos a passeio na casa dos muito queridos amigos Décio Rocha e Lourdes Alvim, numa praia de Niterói. Recebemos a visita de Rossana, que estava aqueles dias batendo nas portas das gravadoras justamente com a K7 do Por onde andará... Passamos boas horas na varanda ouvindo aquele original.
   (Na noite seguinte fomos ao Teatro Rival curtir o primeiro show de Chico César no Rio - e sobre ele também tenho uma ou duas histórias...)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

COM O POVO DE POÇOS

Passei os dias 17 e 18 de dezembro em Poços de Caldas/MG trabalhando com 30 profissionais ligados ao livro, leitura, literatura, biblioteca e educação. O tema seria “mediação”, mas acabamos, para o bem geral daquela nação, extrapolando-o.

Iniciei com a apresentação de minha trajetória pessoal que é, de certa forma, um bom exemplo do que o contato com os livros desde a infância pode fazer com o sujeito: tornei-me escritor e vivo, integralmente, dentro e em torno da literatura. Em seguida, cada participante também falou de si, sua relação com os livros, sua iniciação, sua biografia. Isso é fundamental para que o grupo entenda que as histórias de cada um podem ser muito, muito diferentes – ou não. E é no reconhecimento do outro (essência da própria literatura), que começamos a entender melhor o papel que queremos e podemos desempenhar.

A coincidência e a diversidade de títulos e autores citados dão também um sinal de que as trajetórias têm suas marcas próprias. Você pode entender melhor uma pessoa sabendo o que ela lê.

Além de lermos juntos, afinando entonações, ritmos e quetais, iniciamos uma movimentação para que as auxiliares de biblioteca se organizem como um grupo. Apesar de serem todas funcionárias (havia apenas 3 homens, infrequentes) concursadas da prefeitura, só ali tomaram conhecimento de detalhes das realidades das colegas. Este foi um “desvio” surgido do grupo; eu apenas abri espaço na minha pauta para que ele fosse melhor explicitado. Antes de retomarmos as leituras, elas marcaram uma reunião e indicaram as primeiras ações a serem desenvolvidas por uma comissão formada na hora.






PÊMIO LITERÁRIO E O COLETIVO 21

DISCURSO DO ADRIANO MACEDO, COORDENADOR DO COLETIVO 21, NO LANÇAMENTO DO PRÊMIO "CIDADE DE BELO HORIZONTE" (texto pautado pelo grupo):

Em nome do coletivo 21,  gostaria primeiramente de agradecer ao convite para participar deste momento especial, a retomada do concurso nacional de literatura cidade de belo horizonte.
Neste momento não represento apenas os vinte autores do coletivo 21, mas também mais de duas centenas de nomes, entre escritores e profissionais da cadeia criativa do livro, que estiveram ao nosso lado na mobiliação pelo retorno dos concursos literários realizados pela municipalidade.
Um atributo fundamental das políticas públicas é a garantia de continuidade. E este prêmio não é importante apenas por ser o mais antigo e tradicional concurso literário do país, e por ter premiado e revelado poetas, contistas, romancistas, ensaístas e dramaturgos que se tornaram importantes no cenário literário brasileiro.
Além de consagrar talentos literários, concursos como o  cidade de belo horizonte também ajudaram a promover os seus realizadores, servindo de instrumento para reforçar nacionalmente a imagem da cidade e a reputação de secretários e prefeitos como gestores públicos sensíveis no trato com a cultura e a educação.
Ações desta natureza transmitem a mensagem de compromisso com os autores que refletem o mundo contemporâneo, a preocupação com a perenidade do "fazer literário", o incentivo à leitura e a democratização do conhecimento, além de fortalecer o principal elo da cadeia produtiva do livro, ou seja, a criação.
Participar deste momento, que é o resultado de um movimento coletivo, nos estimula a participar de maneira colaborativa e efetiva com a política da cidade voltada para a literatura.
O grupo coletivo 21 se sente realizado por ter contribuído com a cidade para a retomada do concurso literário e nos colocamos à disposição para ser um dos interlocutores da sociedade civil para a construção das políticas para a área, especialmente o plano municipal de livro, leitura, literatura e bibliotecas.
Gostaria de ressaltar também a importância do concurso joão de barro, especialmente numa cidade que é um pólo de criação e produção de literatura destinada às crianças e jovens.
É de fundamental importância que os dois concursos sejam definitivamente incluídos no calendário literário anual da cidade.
Gostaria ainda de remarcar mais uma vez a proposta do coletivo 21 para que o concurso nacional de literatura cidade de belo horizonte seja tombado como patrimônio cultural e espiritual da nossa cidade, especialmente num momento em que o prêmio completa sessenta e cinco anos.
Por fim, gostaria de deixar uma mensagem do grupo:
Mesmo que algumas pessoas a considerem a menos popular das artes - do ponto de vista comercial -, há que se reconhecer que a literatura perpassa a construção e a manutenção do imaginário regional e nacional, sendo, por isso mesmo, fundamental para firmar a identidade cultural dos povos, principalmente em tempos de globalização. Da oralidade ao texto impresso, em forma de livro ou adaptada para teatro, televisão e cinema, a literatura capta, registra e manifesta o modo de ser, agir e pensar do povo que a originou.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

AMIGOS OCULTOS

  O QUE EU QUERO DO MEU AMIGO OCULTO

Dinheiro vivo, logicamente.
Ou meio quilo de ouro...
Coisas simples: um dente
sem cárie, um fígado novo,
o poder político pro povo,
uns trinta discos de jazz,
caminhos leves para meus pés
ou a coleção completa dos Beatles;
asas maiores para mais altos voos,
uma passagem para a Itália,
o fim, afinal, da mais-valia,
livros! o que mais posso querer
além de bons livros para ler?
(Também já estão rotas
minhas velhas e feias roupas...)

Mas se está parecendo
pouco o que estou querendo,
ou se você acha, enfim,
que só penso em mim,
mudo o tom desta relação:
o estado, os partidos e a moral vil
você põe num caminhão
com destino à putaquepariu.
Aí, com o terreno preparado,
você busca no mercado,
para todas as crianças,
alegria e segurança;
os atores devem ter
quem os possa ver;
escritores, editoras para seus livros;
os andarilhos, estradas livres;
as mulheres, mais orgasmos;
os políticos, pasmos,
menos chances de mentir.
Quero ver também ruir
os pilares da sociedade
que imbecilizam a humanidade.

Bom, sei que meu amigo, nesta ocasião,
mesmo oculto, não é nenhum papai noel.
Então só peço, antes de pegar o chapéu,
que ele nunca seja meu inimigo.
Oculto ou não.

(Natal de 1987)

sábado, 8 de dezembro de 2012

FAZENDO MEU LIVRO


CASA NO CAMPO

Onde eu possa plantar meus amigos”
 Tavito e Zé Rodrix

Todos os dias, Djéssika e Nathaly voltam juntas para casa. Elas pegam o ônibus na Praça da Estação. O trajeto até o distrito rural de Silvânia dura cinquenta minutos, se não houver engarrafamento na saída da cidade, o que acontece quase sempre. Hoje, com o feriado de Corpus Christi, está pior: quinta-feira, parece que todos os carros estão saindo para o litoral. Belo Horizonte não tem praia, então qualquer brechinha no calendário é motivo para essa fuga em massa. Mas elas são amigas, vão conversando e nem veem quando o ônibus entra em Silvânia.
“O que você vai fazer hoje, Nath?”
“O de sempre, né? Jantar, estudar...”
“Ah, vamos lá pra casa.”
“Meu pai me mata se eu não chegar logo, Lady D.”
“Mas amanhã é feriado, tá esquecendo? Eu converso com ele. Quem sabe você até dorme no sítio?”
“Uai, quem sabe?”
O pai de Nathaly não é muito durão. Ama seus filhos, preocupa-se com eles e por isso tenta segurar um pouco as rédeas. Lady D, por outro lado, tem um charme todo especial e sempre consegue o que quer. Enquanto caminham até a casa de Nathaly, já combinam, animadas, o agito da noite.
“Eu baixei o disco novo do Sangue Moreno, gostei pra caramba.”
“Mas eles ainda nem lançaram!”
“Coisas da rede, Nath. E o site é dos Estados Unidos!”
As duas são muito conectadas. Silvânia tem um sistema de internet por satélite, e a escola pública em que estudam, na capital, também tem um computador por aluno: nada do mundo virtual lhes é estranho.
Esta é uma quinta-feira fria, uma neblina suave deixa as poucas casas da única rua asfaltada parecendo um filme, paisagem a que elas estão acostumadas. Cercada por montanhas, Silvânia é o ponto mais frio da região metropolitana.
“A gente podia levar também o seu DVD do festival de pagode.”
“Nossa! É mesmo. Você ainda não viu, né? Tem uma hora que eu quase apareço.”
“É mesmo? Você ficou lá na frente, perto do palco?”
“Fiquei, bem naquela grade de proteção, sabe?”
Djéssika não acredita muito na sua melhor amiga. Acha que Nathaly gosta de contar vantagem, mas não a contradiz. Sabe que esta é uma forma dela não se sentir menor. Porque a família da Nath é um pouco pobre, mora numa casinha muito simples. E, sendo órfãos, ela e seus dois irmãos são muito carentes. Sua mãe teve uma morte tétrica: o corpo foi encontrado nu, na beira do rio, sem outras marcas de violência exceto pelo fato de que estava... sem a cabeça.
“Você podia aproveitar e me ajudar com o trabalho de Química, não entendi nada daquelas fórmulas.”
“Mas amanhã, né, Nath-my-darling? Hoje nós vamos só ouvir música, ver o DVD, comer pão de queijo e brincar de mistério.”

O pai de Nathaly está sentado na porta de casa, pitando um cigarrinho de palha, namorando a lua. As garotas se aproximam.
“Noite, pai.”
“Noite, filha. Noite, Jéssica.”
“Pai, tenho trabalho de escola com Djéssika. Posso ir fazer na casa dela?”
Sem alterar a voz, ele permite. Estica de novo o pescoço para a lua enquanto puxa fumaça do palhoso.

A pequena estrada para o sítio é segura, bem iluminada, apesar de não ser asfaltada. Quando chegam, a mãe está de pé, na porta da cozinha, espichando o olho para a novela, e Mateus, no chão, brinca com um sabugo de milho.  No ar, cheiro gostoso de assado. Ela usa um avental cheio de manchas e segura uma faca suja de sangue.
 “Cadê o pai?”
“Está na cooperativa. Teve assembleia hoje. Seu pai sabe que você está aqui, Nathaly?”
“Sabe, mãe, sabe. Você fez pão de queijo? Oba! Vem, Nath, vamos lá pro quarto. Depois da novela a gente vai ver um DVD, tá, mãe?”
A mãe volta para a cozinha, Mateus acompanha tudo com olhinhos atentos.
O pai chega quando começa o telejornal.
“Cadê Jéssica?”
“Está no quarto com Nathaly.”
“O que essas meninas estão fazendo lá?”
“Ara, deixa elas.”
“Jéssica! Vem cá! Agora mesmo, anda!”
Ela vem, cabeça baixa.
“Noite, pai.”
“Quem está aí?”
“É Nath, pai.”
“Ah.”
Ele aguça o olhar para a adolescente que sai do quarto. Ela se aproxima, tímida. Não é gorda, mas suas calças estão sempre apertadas e seus seios são grandes demais para a idade. Sente que o pai de sua amiga olha para eles. As pessoas falam coisas...
“Noite.”
“Você está boa, Natália?”
Boa, só?, pensa a adolescente – e sente uma quentura.
“Sim senhor.”
A mãe vem da cozinha trazendo uma panela fumegante. Mateus observa o movimento. Nathaly continua olhando para o chão, sem jeito.
“Mulher, tem couve? Então vai buscar. Jéssica, vai com sua mãe. Vê se pega um pouco de limão também, leva a sacola. E antes de voltar desliga a bomba.”
Mal as duas saem, ele dá um passo em direção a Nathaly que, finalmente, o olha no rosto. Ele retribui encarando-a; abraça-a. Ela respira com dificuldade. Ele força seus ombros, ela se ajoelha. De olhos fechados, ele tira do bolso um pequeno tubo metálico, parecido com uma caneta. A garota tenta satisfazê-lo.
Depois de alguns segundos, ele abre os olhos, afasta os cabelos de Nathaly e, num gesto firme, enfia o tubo em seu pescoço. A jovem levanta os olhos, atônita, a cabeça caindo pro lado. Ele também se ajoelha e antes que o sangue esguiche, começa a beber.
Quando a mãe e Djéssika chegam, ele está sentado ao lado do corpo, pressionando o dedo sobre o buraco para evitar desperdício. A mãe corre, repõe o canudinho. Lady D olha aquilo com tristeza.
“Puxa, pai, não podia esperar a gente ver o DVD?”
Ele apenas sorri. Ela volta para o quarto. A mãe faz barulho sugando com sofreguidão. Ao se sentir saciada, olha para Mateus, candura no semblante de mãe e um filete de sangue escorrendo pelo queixo:
 “Calma, meu filho, calma. Logo logo chegará a sua vez.”