quarta-feira, 13 de junho de 2012

A CARTA ABERTA DE RICARDO ALEIXO

CARTA ABERTA AO VEREADOR ARNALDO GODOY

Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2005


Caro vereador Arnaldo Godoy,

Dado o total despojamento com que você conduz sua vida pública, dispenso-me de tratá-lo por Vossa Excelência, como mandaria a “etiqueta” (termo esvaziado de sentido numa sociedade, como a brasileira, que, cada vez mais, parece conformar-se com a triste constatação de que o tempo da civilidade situa-se inapelavelmente em algum lugar do passado). Somos, afinal, você e eu, dois homens que fazem usos distintos da palavra pública. Um, o poeta – homo esteticus – empenhado até o limite da sanidade na recuperação da dimensão pública desse bem comum que é a palavra; outro, o vereador – homo politicus –, capaz de, em alusão à sua condição de "deficiente" visual, fazer de um belo verso de canção popular (“A vida não é só isso que se vê”) o mote de sua trajetória política.

O que tenho a dizer-lhe é de interesse da cidade de Belo Horizonte, ou melhor, dos cidadãos belorizontinos – daí a razão de eu preferir a forma da carta aberta para me dirigir a você, em lugar de simplesmente solicitar uma audiência em seu gabinete. O assunto é a Bienal Internacional de Poesia, iniciativa que, a despeito do êxito de sua primeira edição, em novembro de 1998, foi interrompida tão logo você foi empossado, em janeiro de 1999, como titular da hoje extinta Secretaria Municipal de Cultura. Refaço a frase: você, vereador Arnaldo Godoy, é o grande responsável pela interrupção de um projeto que tinha tudo para se transformar em referência nacional e internacional na área de poesia, à semelhança do que ocorre com eventos como o Festival Internacional de Teatro/FIT, o Fórum Internacional de Dança/FID, o Fórum.Doc, o Eletronika e outros.

Como tenho dito à exaustão, a Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte não surgiu “do nada”. Surgiu, e isso deve ser dito com todas as letras, de uma iniciativa pioneira e corajosa da Secretaria Municipal de Cultura, então administrada pelo compositor Fernando Brant – que assumiu a pasta em substituição a Luiz Dulci, hoje ministro do governo Lula (o projeto da Bienal foi elaborado na gestão de Dulci, um refinado leitor de poesia). Num momento em que se discute, no plano nacional, a implantação de políticas públicas para a literatura, força é lembrar que a primeira – e até o presente, única – edição da Bienal Internacional de Poesia representou o coroamento de uma série de atividades patrocinadas pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 1993, quando teve início a gestão de Patrus Ananias. Listemos: o happening coletivo “Museu de Tudo” (que, nas vozes de atores mineiros, fundiu textos de diversas gerações da poesia brasileira, no Museu de Arte da Pampulha) e a comemoração dos “30 Anos da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em 1993; a “Temporada de Poesia”, da qual fez parte uma coleção de 10 fascículos sobre a história da poesia na cidade, em 1994; o ciclo de leituras e performances “Sexta Sintonia Poesia”, em 1996.

Em outras palavras, vereador, o que você fez, ao “engavetar” o projeto de continuidade da Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte, foi nada menos que desconsiderar, acintosamente, o empenho de muitos na construção de um espaço digno – porque público e, portanto, aberto à diversidade – para a poesia na capital do estado natal de poetas como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Affonso Ávila e Sebastião Nunes, para citar apenas esses fabulous four.

“Espaço digno para a poesia”, caro Arnaldo, é algo que, por transcender a atenção às demandas dos “fazedores de poemas” (que já contam, em seu benefício, com os caquéticos concursos literários e a entediada rotina das academias de letras), aponta para a possibilidade de fazer com que a poesia não se restrinja aos pequenos círculos de privilegiados, projetando-se, pelo contrário, como o locus por excelência da pluralidade idiomática, estética, étnica, cultural, social e, sempre é bom lembrar, da beleza (na última edição da revista “Bravo”, Teixeira Coelho escreveu o seguinte: “A beleza que atende pelo nome de arte não é instrumento de nada, certo; mas nessa condição de estrutura vazia, é causa do melhor”).

De volta ao futuro. Como vem sendo amplamente noticiado, tenho trabalhado no projeto de reativação da Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte, BHZIP, com a intenção de realizá-la já em setembro próximo. E quero conversar com você sobre de que forma seu mandato pretende colaborar com a versão 2005 do projeto, já que há muito por ser feito. Em uma frase, quero poder ostentar sem qualquer constrangimento, entre os créditos aos apoiadores da BHZIP, a menção agradecida ao “gabinete do vereador Arnaldo Godoy”. E é isso. Aguardo seu contato. Certo de sua atenção, cumprimenta-o,
respeitosamente,

Ricardo Aleixo

Um comentário:

  1. Pessoal de Belo Horizonte sempre consciente e dando exemplo. Toda força para a Bienal de Poesia, Aleixo e Fantini.

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