sexta-feira, 15 de agosto de 2014

MORTE E CENSURA

    


      Nos últimos cinquenta anos morreram perto de mim pessoas que eu amava, em vários níveis, de vários tipos e modelos. A separação é dura, terrível, e não há palavras ou gestos que a desfaçam. Nem o tempo. Vivo (com trocadilho) com todas essas, todos os dias, e não haverá intervalo comercial quando a minha hora também chegar: eles, que se foram, ainda estarão comigo, sua dolorida ausência, ao assistir ao filme da minha vida.
     
     Não me interessei pelo político nem pela pessoa Eduardo Campos, nem antes nem depois de ser candidato, mas sei que as pessoas próximas a ele e aos outros que morreram no acidente estarão sofrendo tudo neste momento. 
     
     No velório de minha irmã, perplexo com algumas pessoas presentes, cometi o verso "o pior da morte não é o morto, são os outros".

     Estava conectado dia 13 p.p., acompanhei o noticiário sobre o acidente desde as primeiras vagas informações até a confirmação das mortes.
     Imediatamente, talvez até mesmo antes dessa confirmação, começaram a surgir na minha página de rede social alertas/avisos/ameaças quanto à possibilidade de eventuais piadas em cima da morte de Eduardo Campos.
     Essa reação foi o que mais me assustou: as pessoas, inclusive alguns amigos meus por quem tenho o maior respeito como intelectuais/militantes de esquerda explicitaram uma antipatia a tais manifestações de humor-crítica-mal gosto-maldade-etc. quando (lá vou eu) o defunto ainda estava fresco! 
     
     Já faz tempo que o país vem se deixando conduzir por uma postura careta (o termo explica bem) que ameaça transformar essa imberbe democracia numa república fundamentalista evangélica (e congêneres).
     Para mim, essa postura reativa a priori se chama censura prévia. E em medida pessoal, o que é muito muito terrível.

     (Algumas poucas manifestações fizeram a diferença na minha página. A melhor foi uma que lembrou que velórios, no Brasil, são, tradicionalmente, um ótimo ambiente para piadas, inclusive sobre o morto. Ou sobre quem o vela, poemas.)

Um comentário:

  1. Rui Werneck de Capistrano15 de agosto de 2014 às 10:53

    Eu tenho uma definição: HUMOR É MALHAR EM FERRO QUENTE PRA VER SE A COISA ESFRIA.

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