segunda-feira, 15 de abril de 2013

ANA ELISA RIBEIRO E EU




  
 Eu importo pouco. 




   Eu importo pouco. Quero lembrar de Ana.
   Luiz Roberto Guedes me pergunta se a conheço (2001?). Ele fora convidado por Joca Terron para fazer a orelha de Perversa. Digo que não, ele me manda foto dela, foto doméstica, dou risada, moça bonita, mas havia uma legenda que falava em "odômetro"...
   O livro sai, uma beleza, me lembra os melhores momentos de Leila Míccolis, com cheiro próprio. Fico fã. 
   Passamos a nos ver aqui e ali, simpatia de pessoa.
   Uma vez quer me entrevistar para seu blog. Fomos para um bar na Sagrada Família. Conversa longa, boa, cheia de humor. (A certa altura, ela chama minha atenção por me referir a quase todo mundo, escritores, como "amigos". Isso foi importante para mim. Mas é outro assunto.)
   Em outro momento, abre no blog um convite para contos sobre filmes ou cinema. Durante uma caminhada, crio "Aversão do produtor", texto de que gosto muito.
   Tornou-se doutora sob a supervisão de Carla Viana Coscarelli, que havia sido minha colega na Letras, e isso nos reaproxima (grazie!).
   Realiza um sarau em sua casa, depois fizemos mais alguns e está em aberto fazermos outros. Sempre momentos de boa curtição entre amigos, poesia e música.
   Seu filho Dudu, super herói total, me chama carinhosamente de "Fantinho", um fofo.
   Agora Ana vai lançar seu segundo livro de crônicas pela Jovens Escribas; eu, o segundo de contos. Resolvemos montar uma leitura juntos: Foi bom para você? - Aonde ler te leva. Estamos preparando tudo.
   A amizade e o respeito mútuo são o combustível.

"OS NOVOS CRUZADOS" - 5

   Depois da surra que "os novos cruzados" deram no Gilberto, o espírita, o tempo fechou na região. Não se fala de outra coisa na mercearia, nos bares, nas esquinas... Sexta-feira, no Oldair, enquanto esperava minha vez de ser atendido, o assunto era o mesmo. Um velhinho que estava lendo o Extra era o mais revoltado:
   - Tá certo o sujeito defender sua posição, mas bater nos outros é demais!
   - Vocês acham que esses novos cruzados são religiosos?
   - Que negócio é esse de novos cruzados?
   Precisei explicar que este é o apelido que surgiu na minha rua. Esqueci que ninguém sabia dele.
   - Eu acho que deve ser coisa de religião sim. Na minha rua tem três casas "pinchadas" com umas cruzes.
   Aquilo era novidade para mim:
   - E em que rua o senhor mora?
   - Na Edson.
   Esta é longe da minha. Quer dizer que a coisa está se espalhando mesmo pelo União.
   - Será que essa confusão aqui tem a ver com isso? -  o velho esticou o braço para fora da capa, passando o jornal.
   Peguei logo. A notícia era sobre a expulsão de uma família de moradores de rua de um lote vago, perto da Cristiano Machado, já na Cidade Nova. A polícia e a prefeitura afirmavam que não tinham feito aquilo.
   - Me empresta seus óculos, companheiro?
   Aproximei a lente da foto. No muro do lote, atrás dos caixotes e objetos quebrados, a porra daquela cruz de espadas parecia a assinatura da violência.

sábado, 13 de abril de 2013

SOBRE CAPAS - 3

    Luiz Roberto Guedes foi quem sugeriu a de Perversa, da Ana Elisa Ribeiro: uma foto antiga, de mulher nua, com intervenções do editor Joca Terron; a de Faroestes, de Marçal Aquino, também: uma placa de estrada marcada por tiros (foi plagiada ao menos duas vezes). E ainda: numa de suas visitas a BH, passeando pelo viaduto Santa Tereza, mostrei a ele a inscrição Materiaes, da Serraria Souza Pinto e disse que um dia ainda usaria aquilo como capa-título. Em 2000, alguns anos depois, comentei que estava buscando título para o livro com a Dubolso e então ele me lembrou da minha ideia...
   Festim, primeiro livro de Ricardo Aleixo: o desenho de Jorge dos Anjos forma as letras de um modo "gestáltico". As demais capas dos livros do Rique, criadas por ele, sempre com a sutileza e o conceito que te acompanham pela leitura dos poemas.
   As capas do finado Círculo do Livro: todas horríveis, péssima comunicação, ao contrário das da Ciência do Acidente e de Tião Nunes.

   Agora, para o meu Novella, calcei a cara e pedi ao Marçal um desenho. Sempre privei dessa informação e acalentava esse sonho. O amigo não titubeou. Depois de ler os textos, fez algumas experiências, trocamos impressões até chegar ao ponto. Danilo Medeiros, designer da Jovens Escribas fez a sua montagem, também dialogamos sobre detalhes e ecco, habemus capa!
   O que ela diz: casais e suas desistórias de amor, sujeitos solitários, passageiros urbanos... Para mim, que sou um péssimo comentarista do que escrevo (porque não sei ler o que escrevo), o conjunto forma um quase enredo, uma quase novela, um draminha. O que me salva de achar que este conteúdo é ridículo diante de tanta grande literatura que se publica hoje, é que acho graça no que escrevo. Sempre dou umas risadinhas quando preciso reler. Por isso o desenho sem acabamento de Marçal, as cores e tipos de Danilo, a caricatura de Giovanni Barbosa formam um todo que diz quase exatamente a que vem o livro.
   A ele, portanto!
   

sexta-feira, 12 de abril de 2013

SOBRE CAPAS - 2

   As capas de meus primeiros livros de poemas eram muito singelas. Mas gosto de lembrar que: para a do segundo livro, minha irmã Rosa Maria fez, sem modelo, um desenho que me representa fielmente, de costas, caminhando com a bolsa cheia de livros a tiracolo; a de Bakunin tem desenho de Luis Maia; a de Carapuá tem desenho (e ilustrações) de Humberto Guimarães; a de Jogo Rápido (parceria com Murilo 'Byu' Sérgio) tem foto de Júlio Bernardes; a de Ô Minina!, tem desenho de um certo Adilson, de Brasília (estávamos em turmas num bar e ele retratou meu boné, anos antes), que nunca mais vi; a de Palpites Ltda é a mais interessante: eu tinha os poemas, mas não o título; uma noite, atravessando a rua da Bahia, vi um carimbo no chão e levei para casa; era este nome; meses depois vi que existia por ali uma lotérica chamada...
   A Baleia Conceição, infantil publicado pela Saraiva, tem capa e ilustrações de Suryara Bernardi, que me foi indicada pela Ciça Fittipaldi e que eu indiquei à editora. Ela era recém-chegada de Goiânia a BH e parece que já tem feito outros trabalhos por aqui.
   
   Em vários momentos contribuí para capas de amigos. Cito dois: Francisco de Morais Mendes finalmente iria publicar seu Escreva, querida, vencedor, sete anos antes, dos prêmios da prefeitura de BH e do estado de MG. Rômulo Garcias pensou em duas mãos sobre um teclado (se não me falha a memória); sugeri que ele apenas usasse as cores preta e vermelha, como a fita das máquinas de escrever. Ana Elisa Ribeiro finalizava seu agudo Fresta por onde olhar e sua irmã (se não me falha...) havia fotografado uma fechadura colonial. Sugeri que ela fosse mais minimalista (como os poemas): capa preta com uma fresta horizontal por onde o leitor lesse o título.

SOBRE CAPAS - 1

   Muitos escritores não dão o valor exato às capas de seus livros. Eu, como complementei meu aprendizado de leitura nas placas comerciais da BH dos anos 1960, sempre tive prazer em entender e analisar publicidade e demais visualidades urbanas. Ao me enfronhar na literatura, passei a observar capas de livros.
   Diz Xis, título da novela de 1991, remete, obviamente, ao comando do fotógrafo para fazer as pessoas sorrirem ("fala xiiiiis"; "say cheese", dizem os norteamericanos). Projetei a primeira edição dessa novela como um pocket pulp e para a capa pedi ao fotógrafo Jotaerre que me conseguisse um close da escultura do índio da fachada do edifício Acaiaca. Além dela ser citada pelo personagem narrador no fim do texto, remete a uma esfinge - à qual se dirá "diz xis"?
   Atendendo ao convite de Sebastião Nunes, reuni três textos para montar o livro Materiaes, cujo título surgiu de mais uma marca da cidade: o frontão da Serraria Souza Pinto. A palavra indica que aquele galpão continha os materiais que eram usados para a construção de BH. Solange Souza, fotógrafa exilada em Roma há alguns anos, clicou para que Tião montasse uma capa sombria, de acordo com o tom dos textos.
   Coleta Seletiva, o título, surgiu em conversa com Luiz Roberto Guedes, para algum livro inexistente. Estava no estoque, quando o ainda editor Joca Terron me intimou a compor o catálogo da sua Ciência do Acidente. Resolvi reunir o que pudesse ser salvo dos meus primeiros oito livros de poemas; projetei uma capa com muitas fotos de gente e coisas da cidade. Mais uma vez Solange Souza saiu a campo (e conseguiu capturar um gol do América Mineiro, time para o qual eu torcia quando ainda acreditava que o futebol era um esporte). Joca desenhou o produto final.
   Para a coletânea A ponto de explodir eu não tinha uma ideia que me satisfizesse. Deixei por conta do jovem designer Lucas Sallum, que conseguiu um ótimo efeito de cor e sombra para uma tipologia pouco comum. O resultado compreendeu o conceito e deu um efeito atraente.
   Silas, pela Jovens Escribas, é criação de Danilo Medeiros e Leandro Menezes, de Natal. Mesmo à distância, capturaram a essência dos textos colocando, inclusive, um ônibus, meio de transporte urbano muito presente na/s minha/s história/s.
















sexta-feira, 5 de abril de 2013

"OS NOVOS CRUZADOS" 4

   Às cinco horas já havia um grupo na casa de Ângelo, umas oito pessoas. Refrigerante, suco de caixinha, suco de jarra, água, um isopor com umas latinhas de cerveja, dois pratos de papelão com salgadinhos da padaria... Ele não perderia a oportunidade de falar da associação, ia fazer aquela vaselina, aproveitando o assunto das pichações.
   - E aí, Cris, conseguiu pesquisar o desenho?
   - Deu não, meu irmão ficou no computador o tempo todo fazendo trabalho de escola.
   - Parece coisa da Idade Média, não parece? - seu Sílvio tentou contribuir.
   - Aqueles símbolos das cruzadas, né? - eu emendei.
   - São "os novos cruzados" - dona Sônia batizou.
   - Mas o que eles querem?
   Não vi quem perguntou, porque o Ângelo chegou esbaforido com uma bandeja de copos e já tentando impor:
   - Boa tarde, pessoal! É um prazer recebê-los na minha modesta morada. Vizinhos unidos! Que coisa boa de se ver.
   Eu sabia. A conversa seria demorada. Ainda mais que os portões de sua "modesta morada", a maior casa da rua, não foram marcados...
   Tentei manter a pauta:
   - Acho que são vândalos ou artistas, alguma intervenção poética...
   - Que nada - Cris me cortou -, aposto que é alguma coisa de religião mesmo, tipo uns "novos cruzados".
   - É pode ser...
   - Gente! Vocês ficaram sabendo? - a voz vinha da escada que trazia à varanda. Era a Norminha:
   - Teve o maior quebra-pau no bar da Loura!
   - Aqueles cachaceiros - Ângelo decidiu.
   - Não, não foi não! Foi um linchamento! Uns caras de fora de repente arrancaram o couro daquele moço que mora do outro lado da linha, aquele do grupo espírita.